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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Faro - "Polônia?!". A pergunta sobre o local para minhas férias, já encerradas, partiu de vários amigos e parentes, curiosos sobre o destino insólito. Bom, a Polônia conserva uma paixão inarredável pelas ciências e pelas artes clássicas. Graças a Nicolau Copérnico, o mundo descobriu que girava em torno do Sol e não o contrário. Uma das descobertas mais importantes da História, que permitiu trabalhos revolucionários e influenciou Isaac Newton e Albert Einstein, para não citar milhares de outros cientistas.

A Polônia havia sido um reino importante no século XV, o maior da Europa, mas passou por maus bocados nos 500 anos seguintes. Foi retalhada por Prússia, Áustria e Alemanha; conquistou a independência em 1918, mas foi invadida pela Alemanha Nazista em 1939. Teve seis milhões de habitantes exterminados no período, até que em 1944 vira república. Três anos depois, entra para a Cortina de Ferro por quase meio século. Foi num estaleiro de Gdansk que o Sindicato Solidariedade deu início a mudanças concretas no regime comunista e contribuiu para sua queda no fim dos anos 1980.

As imagens de Varsóvia não dão conta da beleza que é este país sem geladeiras e sem ar condicionados (podem até existir, mas não vi nenhum). A Polônia é um destino pouco procurado até por europeus. Mas a comida, os transportes, as grandes áreas públicas e a simpatia do povo ajudam a entender porque virei um fã. As estradas e ruas de todas as cidades são muito bem sinalizadas, até demais. Quando se pergunta uma informação a um polonês ele explica em detalhes, citando o número de metros para chegar ao local. Pães e queijos deliciosos, trutas temperadas com galhos de menta, doces diversos. Até o idioma é doce. Lembra russo com elementos latinos e sotaque carioca.

Roman Polanski é polonês. Krzysztof Kieslowski é polonês. Quer mais? Vá à Polônia e descubra por si mesmo. Conheci o sul, na fronteira eslovaca e Varsóvia. Mas volto lá em breve, para ficar mais tempo e aproveitar seus preços baixos: o Zloty equivale a um real e as coisas são ligeiramente mais baratas que no Brasil. Por que Polônia? Porque sim.

domingo, 3 de abril de 2016

Varsóvia - A 9.163 quilômetros de casa, mas a apenas 8.599 quilômetros de Tóquio.

sábado, 2 de abril de 2016

Ždiar - Na paz deste lugarejo encravado sob os Montes Cárpatos e um céu absurdamente azul, sento na colina e observo o passar do tempo. Silêncio. Dois falcões planam 300 metros acima de mim. Um homem empilha pedaços de lenha. Crianças passam de bicicleta. Carros na estrada, os faróis acesos sob o sol brilhante. Silêncio. Nenhum som. Meu corpo afunda lentamente entre pedras, grama e restos da neve que a primavera conservou em consideração ao inverno. Não sou ninguém. Não sou Avery Veríssimo. Não, este não sou eu. Avery Veríssimo é um canalha egoísta, uma aliteração desagradável. Um viajante solitário metido a Jack Kerouac. Lobo da estepe. Um escritor medíocre, um professor relapso, péssimo pai, filho e amigo. Inútil acúmulo temporário de átomos que um dia será completamente esquecido. Átomos que começam a se desintegrar. Homogênese com plantas, folhas e larvas de insetos à espera do calor que lhes permita voar. A grama cresce nos meus braços, peito, pernas e olhos. Desapareço lentamente sob a relva, desintegro-me. Em pouco tempo serei parte da colina e não lembrarei mais quem fui. Há muito tempo me desterritorializei, abandonei a província e me esgueirei na multidão de grandes cidades. Conheci oceanos e povos exóticos, escalei montanhas, cachoeiras, tepuys e vulcões, escrevi tolices, fui drogado por yanomamis e cristãos, fiz inimigos e fãs e filhos. Nada disso parece ter significado neste vilarejo e seu impronunciável Z com circunflexo invertido. Sou um pedaço de tábua da fantasmagórica casa de madeira abandonada entre os pinheiros secos à beira da estrada. Sou um monge franciscano. Um japonês que pesca. Um brasileiro que não reconhece mais o próprio país. Um viajante sem lar. Hoje todas as minhas roupas cabem numa mochila polonesa de 50 litros. Doei móveis, sapatos, tempo, roupas, livros e discos e conselhos que não foram seguidos. Busquei anonimato, mas encontrei fama. Busquei o socialismo, mas fui parar entre esnobes. Minha casa ainda é minha. E agora é meu este lugar. A desintegração se completa. Meus olhos merecem toda a beleza que já viram? Enfiados nas dobras de meu cérebro, 500 livros que não sei se devia ter lido. Minhas composições, letras, poemas, artigos, matérias e livro, a que servem? E se formos dizimados por asteroides, Hercolubus, Melancholia? E se tudo for sonho de Vishnu? E se Jesus destruir tudo para o bem da cristandade? E se o céu cair? Desapareço completamente. Sou pedra, grama e logo vento. Uma pinha obedece à gravidade e atinge o solo. Um galho seco sob o cotovelo me convoca à realidade. O silêncio é rompido. Pássaros gorjeiam como os de lá. Amazônia dos Tatras. A vida é caos e ordem e não sei o significado de progresso. Ao emergir do solo, sou tomado por tanta beleza que tudo o mais se perde. Levanto e caminho em direção à estrada. Pouco tempo depois cruzo a pé o rio Bialka até Polônia, que deixarei em três dias para voltar à tumultuada Bélgica. O valor de um homem é confirmado por sua trajetória. Construo a minha, ambições sob estreita vigilância. Sou um.

quinta-feira, 31 de março de 2016

A vida em alerta laranja

Varsóvia - As coisas estavam calmas pela manhã. Bandeiras da Bélgica, poucas, pendiam das sacadas. A Grand Place esvaziada devido aos últimos acontecimentos. Os mesmos mendigos de anos atrás, nos mesmos lugares. Turistas visitavam o Atomium. Uma feira multiétnica coloria as ruas próximas da estação Carmelite. Garotos exibiam a nova moda do Cabelo Boi Lambeu.

Um pouco desbotada, a lateral do edifício com o Tintin gay gigante guardava a área GLS. Soldados patrulhavam as estações de metrô, prédios públicos e outros pontos nevrálgicos da capital belga. Gentis, posavam para fotos.

Por volta das 13 horas, as sirenes começaram. Inicialmente, poucas e raras. Depois se multiplicavam, se sobrepunham, soavam em uníssono. Carros da polícia e de forças especiais percorriam velozmente a Boulevard, principal avenida do centro. Sim, havia algo de errado. Instalado num hotel a 1,5 quilômetro da estação Malbeek, evitei o local porque dentro de cinco horas deveria estar de cinto afivelado na fileira 32 do voo da Ryanair para Varsóvia.

O voo sairia do Aeroporto Charleroi, que fica a 42 quilômetros de Bruxelas e passou a receber todo o serviço destinado ao bombardeado Zaventen. A corrida para deixar a Bélgica começaria às 14 horas na Garre du Nord, onde os trens nunca atrasam a não ser quando se está em Alerta Laranja. Informes em francês e holandês diziam que havia um atraso programado de 15 minutos para o IC12, que leva direto ao aeroporto. Por motivos óbvios: segurança, vigilância, revistas. Mas havia algo mais.

De 15h17, o trem mudou para 15h32. Depois 15h38, 15h42, 15h44, 15h48, 15h52 e finalmente chega, às 16h02, mas na IC11, o que provoca uma corrida de passageiros por escadas para o outro lado da linha. Embarcamos ao mesmo tempo em que um alerta de bomba no Charleroi é confirmado.
O trem fica imóvel por 3 minutos e sai lentamente. Um aviso (desta vez também em inglês) desanimador sai dos alto falantes: o trem até o aeroporto foi cancelado. As alternativas para não perder voos e reservas em hoteis para centenas de pessoas eram táxis a 120 euros (mais de R$ 500), ônibus lentos a 17 euros ou a melhor descoberta do dia: lotações a 15 euros. Me uno a uma italiana e um coreano com o mesmo problema. Fretamos um lotação junto com dois portugueses e um escocês e corremos em direção ao Charleroi.

O tempo voa. São 17h20. A primeira entrada do aeroporto foi fechada, o que nos obriga a dar uma grande volta. Muitos soldados na entrada. Revistas. Exatamente 45 minutos antes do aviaão decolar faço o check-in e pago uma estranha multa de 45 euros  por "mudança de voo". Sinto que fui enganado. Mas a viagem para a Polônia estava garantida. Sento no fundo da aeronave que deixa um país abalado para seguir rumo aos Cárpatos.

Guerra fria