sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

Gasp
Entre todas as onomatopéias dos quadrinhos, minha preferida sempre foi gasp.

Também gosto de humpf e chuif.
Na vitrola
John Cale - Paris 1919
Mumiy Troll - Morskaya*

*Glam-rock russo irado. Ouça Utekay, Vdrug ushli poezda e Vladivostok 2000 e caia na festa.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

Crônica urbana (Epílogo)
Muito bem, o fascista vai caminhar por esta calçada. Preciso medir a quantidade exata de passos e o tempo que ele vai levar. É neste ponto que ele cruza com os mendigos, vê as pessoas na rua e... no final da quadra... entra no banco. Em certo andar deste banco, uma executiva passou a noite fazendo seu trabalho, que é retalhar empresas e vendê-las etc, etc. Ela vai observá-lo durante dois segundos, do alto da janela, no momento em que vive suas reminiscências hippies. O banco é importante porque é aqui que duas das personagens se cruzam, favorecendo a construção de um quarto episódio. Sim, a história pode ser ampliada, é claro, usando os personagens periféricos. O discurso do candidato a pastor acontece na mesma quadra por onde caminha o fascista. O treino acontece com voluntários da própria igreja, que respondem aos chamados do candidato a pastor na hora da cura de todos os males. O olhar do candidato a pastor pousa, por dois segundos, sobre o fascista que anda pela calçada. No exato momento em que ele fala que o Diabo está à espreita, etc. etc. O fascista passa com nojo pelos mendigos da calçada, olha o candidato a pastor e o odeia. Depois que entra no banco, o fascista e a executiva trocam olhares. Ele na fila, ela saindo com pastas e bolsas e um olhar cansado de triunfo, de vitória. Surpreendentemente ele não pensa em nada sobre a mulher que cruza o saguão do banco apressada. Ela, por sua vez, imagina como seria encerrar a vida de solteira ao lado de um rapaz forte, pobre, mas trabalhador. Pensa melhor e resolve que pagar por uma companhia masculina oferece a melhor relação custo-benefício . A tetralogia (tautologia?) pode encerrar com o pastor já em atividade pregando na Praça da República, enquanto observa mulher de fino trato parar o carro diante de jovem de cabelos muito curtos que ali está à procura de uns trocados. Podemos chamar esse fim de um novo começo, como se faz no cinema de autor. É isso aí. Maravilha.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

Contos da Anta (2)
Na última eleição presidencial norte-americana, que George W. Bush ganhou por impressionantes 537 votos, democratas culparam o Partido Verde de roubar votos (tiveram pouco mais de 2 por cento) e favorecer o Partido Republicano. O candidato dos verdes, Ralph Nader, tinha como cabo eleitoral nada menos que Michael Moore, que narra episódios interessantes dessa eleição no seu livro Stupid White Men. Bem, Nader está de volta, desta vez como candidato independente. Precisa conquistar eleitores em primárias por todo o país antes de arvorar-se candidato oficial. Mas se a apuração ficar travada na Flórida ou no Texas, Nader deve se preparar para ser enxovalhado pelos democratas outra vez. Se, por outro lado, os democratas vencerem, o homofóbico Bush deve declarar o ambientalista milionário culpado por associar-se aos comunistas, artistas de vanguarda, pacifistas, ativistas e alternativos de toda espécie contra a ordem natural do mundo.
Crônica urbana (3) - terceira e última parte de peça audiovisual em três atos e um epílogo
Quem ficou curado levante a mão em nome de Jesus. Isso, levantem as mãos para eu poder ver. Um, dois, quatro, cinco, seis, sete, nove, dez, doze, quatorze, dezesseis, vinte, vinte e dois, vinte e quatro, vinte e cinco, somente vinte e cinco?, vinte e sete, trinta, trinta e dois, trinta e quatro. Alguém mais? Vamos orar e pedir a Jesus para que cure todos os nossos males. E reconhecer, irmãos. Reconhecer que o sangue de Jesus tem poder, reconhecer como essas pessoas que estão aqui, que foram curadas. Ficar calado não adianta nada. É preciso revelar a ação de Jesus na sua vida. Trinta e seis, trinta e sete. Não vamos deixar que o mal volte, irmãos, porque se Jesus curar e você não reconhecer, o mal volta. O Maligno traz o mal de volta para a casa dos cristãos que são curados e não reconhecem isso na Casa de Deus. Vamos lá. Quarenta, quarenta e dois. A senhora ali em cima, quarenta e três. Quantas vezes você já ficou curado de uma dor de cabeça, de uma dor na coluna, de um aperto no peito, de nó nas tripas, de pneumonia, de febre braba, de cansaço e não reconheceu diante de Deus? E o que aconteceu depois, irmãos? A dor voltou, o mal voltou. O demônio lançou sua mão maligna sobre os filhos de Deus e os manteve na enfermidade. É assim que age o Diabo, nas nossas pequenas imperfeições, nas falhas que mais desprezamos. E ele está sempre à espreita, o Demônio. O cão. Mas não como Deus, que está com a gente o tempo todo. Desde que estejamos dispostos a estar com Ele. É nesses momentos de fraqueza, quando a gente não reconhece o que Deus faz por nossas vidas, quando nos perguntamos se o dízimo vale a pena, que o maligno nos ataca. Então é preciso ter fé. É preciso recusar toda essa informação errada que a televisão passa. Reconhecer a boa televisão também, como a TV Nova Graça, que transmite esse programa. Então oremos. Então? Ficou bom? Se quiser gravo de novo, olha minha mãe diz que eu sou muito bom com as palavras. Posso voltar na segunda-feira? O senhor fala sério? Obrigado, muito obrigado, Deus lhe pague. Vou contar para a minha mãe agora mesmo. O sonho dela sempre foi ter um filho missionário. Eu, um missionário.
Sem título

Encontrei no blog da .

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

Crônica urbana (2) - segunda parte de narrativa literária ou peça em três atos e um epílogo
Aimeudeus, de novo. Já estou cansada disso. Toda vez é assim. Se eu conseguisse sair um pouquinho mais cedo talvez pegasse o final da novela. Mas todo dia acontece alguma coisa. Todo dia é um preço trocado, é uma conta que não fecha. Dia de liquidação é assim mesmo. Vidinha desgraçada, essa minha. Bom mesmo é ser como aqueles artistas lá embaixo, fazendo malabarismo nos sinais. Uma vida livre, sem tanta loucura, sem tanta preocupação. Mas que é isso que eu estou pensando? Eu não nasci pra isso. Eu nasci pra isso que estou fazendo. Condenada a ser o que sou para sempre. Ou a ser sempre o que fui. Reclamo porque estou viva, sei que tem gente em melhor situação, mas ter o que eu tenho é melhor do que nada. É melhor do que nada. Pronto, fechei a última conta. Agora é esperar a reunião dos acionistas e anunciar... que estou fora. Estou fora e vou viver de quê? Acorda, isso aqui é o melhor que você poderia conseguir. Os anos sessenta acabaram há muito tempo, cara mulher independente. Ah, mas aquela sim é que era época boa, de mudanças nos costumes, de liberdade. Hoje estamos aprisionados, assistindo à violência tomar conta de tudo. Meninos assassinos, ladrões de apartamentos, sequëstros-relâmpago, corrupção nos governos. Esse mundo não vai ter jeito? Isso aqui não tem jeito, não. Falta pouco pra gente explodir de vez. Só porque tenho meios para evitar que isso aconteça comigo, não posso ser responsabilizada. Bom, não falta mais nada. Pronto. Com isso concluo a liquidação da empresa. Ai, que cansaço. Hum-hum-hum-hum-hum (cantarola uma música). Pela manhã esta companhia estará dividida em milhares de pequenos papéis, resultando em mais uma generosa comissão de seis dígitos. Um belo trabalho, tenho que admitir. Mas o que eu gostaria mesmo era de estar bem longe daqui, fazendo qualquer outra coisa. Liberdade. Não, não, nada disso. Nasci pra isto, morro assim.

Guerra fria