sábado, 27 de março de 2010

Bodas Wapishana


            Eunice segura nervosa o buquê de flores, minutos antes da cerimônia. Está mais calma agora, mas ainda há pouco respirava com dificuldade, como se o longo vestido branco tivesse ficado mais justo. Uma parenta lhe ajuda com a saia. Ajeita delicadamente os cabelos diante do espelho. Está quase pronta para o casamento.
            Na mesma sala, Anacleto comporta-se de forma exemplar. Não aparenta nervosismo, mas parece muito sério. O terno lhe cai bem. Confere a altura da calça em relação aos sapatos pretos, encolhe a barriga e anda empertigado sem se importar com a velha superstição de que o noivo não pode ver o vestido antes da cerimônia.
            Do outro lado da rua, os convidados começam a chegar e a ocupar mesas onde mais tarde serão servidos bolo, refrigerante, churrasco e damorida. A festa é na comunidade de Truaru, uma vila Wapishana localizada no oeste de Roraima.
Os Wapishana falam uma língua Arawak, tronco que agrupa diversos povos. Há falantes de Arawak nas Antilhas, no Caribe, na Amazônia, na Argentina... Quando Cristóvão Colombo chegou à Américas foi recepcionado pelos extintos Tainos, falantes de uma língua Arawak. Em Roraima os Wapishana formam uma exceção entre falantes de línguas Karib como os Makuxi, Taurepang e Ingarikó.
            Eunice conheceu Anacleto há mais de meio século, quando a vila não era muito diferente de hoje, exceto pela luz elétrica, carros e antenas parabólicas. Hoje os dois comemoram 50 anos de casamento. Bodas de Ouro. Filhos, netos, bisnetos, parentes distantes, vizinhos e amigos prestigiam o evento, que só vai terminar quando o dia amanhecer.
O pastor espera impaciente a preparação do som e do cerimonial de entrada. Tem pressa em realizar as bodas, uma atividade inédita no seu currículo. Quer falar sobre a sabedoria do rei Salomão, um homem que teve 700 mulheres e certamente inspirará um casamento próspero.
Está preparado para repetir as palavras de Deus sobre a boa esposa, descritas em Provérbios 31. Dirá que a mulher virtuosa é esposa e mãe ideal e exemplo a ser seguido. Que é empreendedora, supervisiona empregados, cuida da família, fia roupas para marido e filhos, produz lucros, faz caridade, está sempre ocupada e trabalha até tarde. “Enganosa é a graça, e vã, a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada”, diz.
O carro de som aumenta a trilha sonora. Depois reduz o volume. O pastor fala sobre a importância do amor diário como forma de preservar o casamento. “Porque ela é tua. Deus que te deu”, reforça. “Querem que eu fale mais?”, pergunta. A platéia diz que não. Ele dá o troco: “Só não quer ouvir quem pensa em trair a sua esposa ou seu marido. Pois vou continuar...”. Minutos depois de falar sobre preguiça, desleixo, trabalho e sexo diário - “Viagra e Ciallis não adiantam nada sem o amor de Deus” – encerra, para alívio do grupo de adolescentes que espera bolo e refrigerantes.
            O bolo chega, trazido por garçons e garçonetes mirins que podem muito bem ser um dos 35 netos ou 5 bisnetos de Seu Anacleto, pecuarista e ex-tuxaua, um dos líderes que conquistou na década de 70 a homologação da terra onde moram.
Uma fila se forma na parte de trás do malocão, onde são servidos churrasco de boi, farofa, arroz, pernil de carneiro, macarronada, damorida e caldo de carne.  
As músicas de Tom Cléber e Chitãozinho e Chororó, um mix de Parabéns pra Você, sucessos dos anos 80 e música sertaneja, logo dão lugar ao forró, que só termina de manhã.  Para desgosto do pastor, as letras falam de bebedeira, traição e violência. Seu Anacleto e dona Eunice, evangélicos, deixam a festa para os mais jovens. Afinal, é noite de núpcias.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Li "Boa Vista, 1953 - Uma Aventura", de Laucides Oliveira

Boa Vista - Quando Laucides Oliveira chegou a Boa Vista, nos idos de 1953, havia dois cinemas na cidade e os boêmios tocavam chorinho. Hoje há apenas um cinema e os boêmios ouvem forró, mas certas coisas não mudaram: o jeito de fazer política, as artimanhas do serviço público, a natureza bela e ultrajada.

Mais fiel à história de Roraima que certos livros já publicados com o carimbo da política partidária e anti-indígena, Laucides acerta ao misturar memórias pessoais e história. Lembra Eric Hobsbawn em "Tempos Interessantes". Laucides jantou com Juscelino Kubitschek nas obras de Brasília e assistiu à final da Copa de 1950: uma vida rica. Vida de jornalista.

Há passagens poéticas, como a que narra a confusão entre o som de um avião distante e o barulho do vento na boca de uma garrafa perdida no Maciço das Guianas. Tem Dick Farley, Jazz e Still Pan. Tem classe, artigo em falta na imprensa hodierna. Tem saborosos lugares-comuns que só ficariam bem no texto de Laucides, um de meus gurus pessoais da profissão.

Para quem vive a era dos relacionamentos fugazes e divórcios em série, o eterno romance com a mulher Clotilde surpreende. A mistura eficiente de biografia, romance e história que compõe o primeiro livro de Laucides merece uma segunda edição mais cuidadosa de seus poderosos patrocinadores. Nosso dinossauro mais ilustre merece.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O petróleo é nosso

Cariocas e capixabas estrebucham, mas o dinheiro do pré-sal tem que beneficiar as regiões mais pobres do Brasil. Afinal, somos uma federação.  O petróleo é do País, fica a 300 milhas da costa, a quilômetros de profundidade e não à flor da terra, em Macaé.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Viva Zapata, diz o DEM

Orlando Zapata, o dissidente cubano que morreu em greve de fome, era totalmente desconhecido pela mídia e pela direita brasileira. Agora que começou a campanha eleitoral, virou herói de falsos sentimentos humanitários.

Será que o DEM e os tucanos faziam campanha silenciosa em favor dos direitos humanos, defendiam dissidentes do anacrônico regime fidelista e a gente não sabia? Hang your public relations, fellows.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Formsprings.me

E em termos pragmáticos? O que não se aprende na faculdade por falta de espaço de prática? by marcusvflacerda

Acho que falta mesmo é teoria nos cursos de jornalismo. Deontologia, sociologia, apreço à vida humana. As tecnologias de comunicação obliteram a reflexão e favorecem muito a técnica, o que é erro fatal.

A técnica jornalística é simples, aprende-se em três semanas – por isso muita gente considera uma atividade simplória, como, por exemplo o ministro Gilmar Mendes. Mas não se trata disso. Jornalismo é arte, técnica e serviço. Mas antes de tudo é humanismo.

Pergunte qualquer coisa: http://www.formspring.me/averyverissimo
Por que você nunca gostou de dar entrevista a jornalistas? A questão é falha na formação acadêmica dos atuais profissionais de imprensa ou é falha de caráter dos mesmos? by ricardodivino

Pergunta tinhosa. Tinha que ser de jornalista. Veja: há falhas sim, mas na (auto) formação acadêmica. Nenhuma faculdade pode ser culpada pelos maus jornalistas que saem de lá. A responsabilidade é dos próprios, que não seguem as recomendações e a bibliografia dadas. O que termina sendo uma boa desculpa para os que exercem a profissão sem diploma. Vejo falta de caráter mais nestes últimos, que ingressam numa atividade sem formação adequada, sem estudar ética jornalística, as linguagens individuais de cada meio, as formas corretas de se comportar no vídeo e no escrevinhar.

No mais, já tive entrevistas deturpadas (falha no caráter?) por descuido e, o que é mais grave, desinformação do entrevistador. Jornalista que não sabe a origem do Big Brother, quem é Truman Capote ou Winston Smith ou Raskohlnikov ou William Gibson ou Paulo Francis ou Stan Lee, deveria ter o diploma cassado. Quem estuda sabe a diferença entre crítica e calúnia. Não pode reclamar de processo depois. Temos que nos afirmar como área nobre do conhecimento e por isso é válido vetar as hordas bárbaras.

Pergunte qualquer coisa: http://www.formspring.me/averyverissimo

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Carnaval

Intelectuais não apreciam carnaval porque racionalizam tudo. Acadêmicos não apreciam carnaval porque não é explicável pela ciência. Roqueiros não apreciam carnaval porque as músicas não oferecem som e fúria. Budistas não apreciam carnaval porque lhes afasta do Nirvana. Evangélicos não apreciam carnaval porque o consideram coisa maligna. Plantonistas de hospital e paramédicos não apreciam carnaval por causa da sobrecarga de trabalho. Há artistas que não apreciam carnaval porque o consideram uma bobagem alegre, alienação cultural, comércio do corpo e deturpação da alma. De minha parte, concordo com todos.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Magic Buzz

Chama-se Buzz o novo produto de uma companhia que já guarda para si as informações pessoais de 17 por cento dos internautas. Os algoritmos do Google estão preparados para acabar com sua privacidade. Pretende se alimentar das informações de plataformas concorrentes e virar a maior rede social. Sua estrutura permite blogging, chat, compartilhamento e integração com produtos da casa. As contas no Gmail, Blogger, etc passam a ser adminstradas a partir de um perfil comum. A partir de agora, você se chama assim:  www.google.com/profiles/voce.

Sobre Educação em Roraima

Segundo o IBGE, Boa Vista apresenta o maior percentual de alunos sexualmente ativos. Nas escolas públicas, 33,1% dos alunos declararam ter feito sexo. Nas particulares, 29,2%.

Dos casos de agressão com facas e estiletes, os maiores índices se encontram em Boa Vista (9,5%) e os menores em Porto Velho (4,1%). Quem disse que lá é o Velho Oeste?

Nos casos de arma de fogo, a capital de Roraima lidera as estatísticas (9,4%), seguida de Curitiba (9,2%).

Os dados abaixo fazem parte da Pesquisa Nacional de Saúde com o Escolar (PENSE), realizada pelo IBGE em todo o Brasil. 

Numa terra em que os políticos pagam com dinheiro público shows de pornoforró, não é difícil entender porque ostentamos esses índices.

Guerra fria