Em Pesadelo Refrigerado, escrito no começo dos anos 40 depois de uma longa viagem pelo país, Henry Miller abre as vísceras dos Estados Unidos para a gente menos interessada em conhecê-las. É que o povo mais belicoso e gordo do mundo preza demais a própria visão obtusa para fazer qualquer juízo. A atual resistência à socialização dos serviços de saúde é muito ilustrativa.
"Somos uma turba vulgar e opressiva cujas paixões são facilmente mobilizadas por demagogos, jornalistas, charlatães, religiosos, agitadores e que tais. Chamar isso aqui de sociedade de povos livres é uma blasfêmia." (p. 23)
Miller faz a viagem acompanhado inicialmente pelo pintor Abe Rattner. A ideia de produzir um livro ilustrado com bolsa da Fundação Guggenhein não dá em nada, mas ele viaja assim mesmo, esperando que pelo menos parte de seus compatriotas entenda o projeto. Um propósito que Miller sabia de certa forma inútil, mas poderia servir como terapia para um ex-expatriado expulso pela guerra da Europa.
"Os únicos artistas do presente que vêm sendo regiamente recompensados por seu trabalho são os charlatães; entre eles estão não apenas a variedade importada, mas também os filhos nativos que são capazes de levantar uma nuvem de poeira quando se trata de questões reais." (p. 146)
Milhares de quilômetros e centenas de páginas escritas depois, a análise de Miller é preciosa e pouco compreendida. Ainda que a America seja desvendada por gente como Miller, Kafka, Morgan Spurlock, Tzvetan Todorov, Allen Ginsberg, John Harris ou Bill Maher, o capítulo conclusivo parece perpetuamente escrito por Halliburton, GE, Taco Bell....
"A América não é lugar para artistas: ser artista é ser um leproso moral, um desajustado econômico, uma obrigação social. Um porco alimentado a milho tem vida melhor que um escritor criativo, um pintor ou um músico. Ser coelho é melhor ainda." (p. 19)
Talvez o problema esteja nas promessas de leite e mel advindas de uma formação religiosa capitalista e excludente. Um problema messiânico. Terras prometidas têm um quê de perfeição incapaz de ser modificado. Quando o cultivo dos próprios valores supera qualquer outra visão contraditória; quando cânones e tabus são respeitados geração após geração apesar do esforço de intelectuais, vanguardistas, visionários; quando o amor pela terra e seus frutos é maior que o amor pelas pessoas, percebemos a inutilidade de qualquer discurso de auto-crítica. Por isso temos Estados Unidos. Por isso temos Roraima.
Livro: Pesadelo Refrigerado
Editora: Francis
Ano: 1945 (Ed. 2006)
Preço: R$ 39
"Somos uma turba vulgar e opressiva cujas paixões são facilmente mobilizadas por demagogos, jornalistas, charlatães, religiosos, agitadores e que tais. Chamar isso aqui de sociedade de povos livres é uma blasfêmia." (p. 23)
Miller faz a viagem acompanhado inicialmente pelo pintor Abe Rattner. A ideia de produzir um livro ilustrado com bolsa da Fundação Guggenhein não dá em nada, mas ele viaja assim mesmo, esperando que pelo menos parte de seus compatriotas entenda o projeto. Um propósito que Miller sabia de certa forma inútil, mas poderia servir como terapia para um ex-expatriado expulso pela guerra da Europa.
"Os únicos artistas do presente que vêm sendo regiamente recompensados por seu trabalho são os charlatães; entre eles estão não apenas a variedade importada, mas também os filhos nativos que são capazes de levantar uma nuvem de poeira quando se trata de questões reais." (p. 146)
Milhares de quilômetros e centenas de páginas escritas depois, a análise de Miller é preciosa e pouco compreendida. Ainda que a America seja desvendada por gente como Miller, Kafka, Morgan Spurlock, Tzvetan Todorov, Allen Ginsberg, John Harris ou Bill Maher, o capítulo conclusivo parece perpetuamente escrito por Halliburton, GE, Taco Bell....
"A América não é lugar para artistas: ser artista é ser um leproso moral, um desajustado econômico, uma obrigação social. Um porco alimentado a milho tem vida melhor que um escritor criativo, um pintor ou um músico. Ser coelho é melhor ainda." (p. 19)
Talvez o problema esteja nas promessas de leite e mel advindas de uma formação religiosa capitalista e excludente. Um problema messiânico. Terras prometidas têm um quê de perfeição incapaz de ser modificado. Quando o cultivo dos próprios valores supera qualquer outra visão contraditória; quando cânones e tabus são respeitados geração após geração apesar do esforço de intelectuais, vanguardistas, visionários; quando o amor pela terra e seus frutos é maior que o amor pelas pessoas, percebemos a inutilidade de qualquer discurso de auto-crítica. Por isso temos Estados Unidos. Por isso temos Roraima.
Livro: Pesadelo Refrigerado
Editora: Francis
Ano: 1945 (Ed. 2006)
Preço: R$ 39