sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Li O Prisioneiro, de Erico Verissimo

Boa Vista - Deixei O Prisioneiro na estante por mais de dez anos, esperando a chance de ser lido. Poderia tê-lo feito antes de 11 de setembro de 2001, da invasão do Iraque e do Afeganistão pelos Estados Unidos e ampliaria ainda mais minha propalada e turva verve anti-imperialista. Mas são águas passadas. Ou não, já que as preocupações dos personagens invasores e invadidos (numa guerra que não é identificada, mas sabemos que se trata do Vietnã) não mudaram.

Assim como os males da sociedade globalizada. “Não estaria longe o dia em que os homens todos fossem apenas números num computador descomunal. E esse computador bem poderia então transformar-se num deus duma nova era”, diz o profético Verissimo à página 102.

Comprado em junho de 2001 num sebo em São Paulo, a 1ª edição é de 1967 e foi produzida na deliciosa gramática pré-reforma de 1971 e contém atualíssimos apontamentos sobre o papel das grandes potências na mudança de valores como liberdade, direitos civis, racismo. Percebemos que a consciência de Verissimo está presente nas palavras de uma professora vítima da guerra. A de seus inimigos podem ser ouvidas nas vozes do Coronel racista e assassino e do Sargento torturador.

Erico Verissimo teve a ideia de escrever O Prisioneiro numa tarde em Washington, observando os três netos (nascidos lá) brincando no jardim. Na mente do escritor, a mangueira usada pelas crianças poderia muito bem transformar-se, num futuro próximo, num lança-chamas nas mãos de jovens enviados para morrer em países distantes.

Livro: O Prisioneiro
Autor: Erico Verissimo
Editora: Globo
Ano: 1967
Páginas: 205
Preço: Esgotado

sábado, 24 de dezembro de 2011

Saturnais

Ouço Coltrane e a memória recua no tempo até noites como esta, quando depois de cear com as famílias, um bando de adolescentes se reunia para tocar violão, planejar peças de teatro e decidir os destinos do mundo. Antes da faculdade, dos casamentos, dos filhos, das separações, das mortes, antes de marcar reencontros que não podiam ser cumpridos porque estávamos espalhados pelo mundo. Antes do Anastase ir pra Grécia, a Marcela pra Brisbane, o George pra campinas, a Analu pra Curitiba, eu pra São Paulo, o Marcus e o Marcelo pra Brasília, . Antes da internet e da telefonia celular, a gente se encontrava em noites saturnais naqueles verões dos anos 80. Passado um quarto de século, permanecemos amigos. Nos encontramos na rede.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Li Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade

Serafim Ponte Grande ficou oito anos na estante antes que me decidisse a lê-lo. O livro e o anti-herói Serafim em parte explicam a personalidade controvertida e hedonista do intelectual paulista miseravelmente burguês que irritou Florestan Fernandes e Monteiro Lobato.

A obra é particularmente brilhante, mas tende a ser diminuída quando comparada a trabalhos publicados na mesma época (a virada dos anos 1920 para 1930) como Ulisses, O Quarto de jacó e Heliogabalo. O que não é nenhum crime, afinal ninguém pode ser por James Joyce, Virginia Woolf e Antonin Artaud a não ser os próprios.

Sem copiar os medalhões e mantendo a brasilidade modernista engavetada entre francesismos e uma necessidade maníaca de globalização de ideias, palavras e sensações, Oswald de Andrade prova que viveu o mesmo zeit geist de Joyce. Porém, com muito mais dinheiro.

Um problema nesta edição de 1990 é que o livro começa com um prefácio (“Um grande não-livro”) hermético, inoportuno e pretensioso de Haroldo de Campos, com irrelevantes considerações semióticas sobre um trabalho que no fundo não compreende bem. Aliás, é característica fundamental da semiótica interpretar de forma absolutamente descabida e pessoal, obras de artistas que não queriam em nenhum momento expressar o que está apenas na mente dos semiotas.

Livro: Serafim Ponte Grande
Autor: Oswald de Andrade
Editora: Globo
Ano: 1990
Páginas: 161
Preço: Esgotado

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Li Led Zeppelin: Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra, de Mick Wall


Mick Wall conta quase tudo (afinal há coisas que não pôde testemunhar e nem lhe contaram depois) sobre o Led Zeppelin. A biografia não-autorizada da maior banda de rock de todos os tempos é repleta de referências musicais e literárias, ocultismo e savoir-vivre. Acompanha desde o surgimento do projeto ainda na seminal banda Yardbirds (por onde passaram simplesmente Brian Jones, Eric Clapton Jeff Beck e Jimmy Page) ao auge do sucesso e à decadência inevitável de um projeto ambicioso e de sucesso indiscutível.

São especialmente interessantes as narrativas em primeira pessoa, espécie de fluxo de consciência onde os quatro músicos e o empresário Peter Grant contam as próprias histórias num modelo de escrita muito pessoal do jornalista inglês especializado em música. Ensina, por exemplo, que a pronúncia galesa de Bron-Yr-Aur é “bron-raaar”. Mas, claro, se você não conhece Led Zeppelin, isso não terá a menor importância.

Livro: Led Zeppelin: Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra
Autor: Mick Wall
Editora: Larousse
Ano: 2010
Páginas: 549
Preço: R$ 86,00

sábado, 3 de dezembro de 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Li No Direction Home, de Robert Shelton

A edição brasileira está cheia de erros, mas vale o investimento.
“Qualquer pessoa que pense se considerar um poeta, simplesmente não pode ser um poeta”, diz Bob Dylan na página 482 de No Direction Home, livro de Robert Shelton que é verdadeiro tratado polissêmico (uma quase-tese?) sobre vida e obra de Robert Zimmerman.

No Direction Home é uma mistura equilibrada de jornalismo, pesquisa bibliográfica e brilhantes interpretações histórico-filosóficas sobre movimentos de direitos civis, música folk e contracultura nos anos 1960s. As frases de Dylan estão lá. Sua polifonia está lá. Suas aparentes contradições, na verdade quebra-cabeças oferecidos aos interlocutores, algumas só compreendidas pelos amigos mais próximos, estão lá. Mas ele não está lá – piadinha com o filme do Michael Winterbottom. Dylanistas entenderão.

“Tenho relações com as pessoas. Pessoas como eu, que também são desligadas (...) Não acho que exista algum tipo de organização de pessoas desligadas.”, afirma Dylan durante um voo  na página 281.

A pesquisa e o compromisso de Shelton, jornalista do New York Times e agitador cultural da Nova Iorque pré-Aids, Pré-World Trade Center e pré-Occupy Wall Street é uma lição de dedicação para qualquer jornalista-escritor-biógrafo. Por isso considero abuso a presença na capa dos nomes da dupla que atualizou alguns dados e notas.  

A primeira edição brasileira, que foi vendida com uma camiseta de brinde, infelizmente é repleta de erros. Encontrei alguns nas páginas 122, 355, 384, 437, 447, 448, 482, 552, 566, 578, 591, 592, 596, 600, 620, 641 e 644. Nada que comprometa Robert Shelton e este livro-reportagem de altíssima qualidade. Mas a revisão da Larousse precisa se esforçar mais.

Livro: No Direction Home
Autor: Robert Shelton
Editora: Larousse
Ano: 2011
Páginas: 784
Preço: R$ 99,00

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Saddam Hussein morreu. 
Osama Bin Laden morreu.
Muamar Kadafi morreu. 
Hosni Mubarak caiu. 
Ali Abdullah Saleh caiu. 
Bashar Al Assad vai cair. 


A primavera árabe pode ser interpretada como mera alternância de poder em regiões onde o tempo de gestão é mais flexível. Mas é apenas parte de eventos maiores, onde culturas milenares vivem um mesmo refluxo social. Enquanto no Ocidente acentua-se o fundamentalismo religioso, o Oriente Médio usa tecnologias de comunicação para (re)viver a diversidade. Não falta muito para que o pentecostal Brasil comece a falar sobre a decadência do oriente e considere a teocracia uma opção.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma canção


Os Tempos Estão Mudando (Bob Dylan)

Venha pessoal
Por onde quer que andem
E admitam que as águas
Á sua volta aumentaram (cresceram)
E aceitem que logo
Estarão cobertos até os ossos
Se seu tempo para você
Vale a pena ser poupado
Então é melhor começar a nadar
Ou irá se afundar como uma pedra
Pois os tempos estão mudando

Venham escritores e críticos
Aqueles que profetizam com sua caneta
E mantenham seus olhos abertos
A chance não virá novamente
E não falem tão cedo
Pois a roda ainda está girando
E não há como dizer
Quem será nomeado
Pois o perdedor de agora
Mais tarde vencerá
Pois os tempos estão mudando

Venham senadores, congressistas
Por favor escutem o chamado
Não fiquem parados no vão da porta
Não congestionem o corredor
Pois aquele que se machuca
Será aquele que nos impediu
Há uma batalha lá fora
E está rugindo
E logo irá balançar suas janelas
E fazer ruir suas paredes
Pois os tempos estão mudando

Venham mães e pais
De toda a terra
E não critiquem
O que não podem entender
Seus filhos e filhas
Estão além de seu comando
Sua velha estrada
Está rapidamente envelhecendo
Por favor saiam da nova
Se não puderem dar uma mãozinha
Pois os tempos estão mudando

A linha foi traçada
A maldição foi lançada
E lento agora
Será o rápido mais tarde
Assim como o presente agora
Será mais tarde o passado
A ordem está
Rapidamente se esvaindo
E o primeiro agora
Será o último depois
Pois os tempos estão mudando

Todo meu apoio aos estudantes da USP

Não, senhores. Os estudantes não deixaram de ser a vanguarda do pensamento, da liberdade e das artes para defender futilidades. Quem se perdeu foi a sociedade, que já não possui capacidade cognitiva para discernir temas como educação, política, liberdades individuais, moda, economia, música e cozinha sem a orientação da mídia.

A pentecostal sociedade brasileira, que ama carnaval, churros e não perde a novela porque depois tem futebol, desconhece a primavera democrática que ocorre no mundo todo. Uma sociedade que contamina deliberadamente crianças, jovens, comércio e meios de comunicação com uma ética bíblico-capitalista de vulto eminentemente repressor. Uma sociedade que tem Paulo Maluf e apresentadores de programas policialescos como heróis populares; que se corrompe em todos os níveis e é guiada por José Nêumane Pinto e Victor Civita pouco merece a consideração que os estudantes da USP lhes dedica

Guerra fria