segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

Crônica urbana (2) - segunda parte de narrativa literária ou peça em três atos e um epílogo
Aimeudeus, de novo. Já estou cansada disso. Toda vez é assim. Se eu conseguisse sair um pouquinho mais cedo talvez pegasse o final da novela. Mas todo dia acontece alguma coisa. Todo dia é um preço trocado, é uma conta que não fecha. Dia de liquidação é assim mesmo. Vidinha desgraçada, essa minha. Bom mesmo é ser como aqueles artistas lá embaixo, fazendo malabarismo nos sinais. Uma vida livre, sem tanta loucura, sem tanta preocupação. Mas que é isso que eu estou pensando? Eu não nasci pra isso. Eu nasci pra isso que estou fazendo. Condenada a ser o que sou para sempre. Ou a ser sempre o que fui. Reclamo porque estou viva, sei que tem gente em melhor situação, mas ter o que eu tenho é melhor do que nada. É melhor do que nada. Pronto, fechei a última conta. Agora é esperar a reunião dos acionistas e anunciar... que estou fora. Estou fora e vou viver de quê? Acorda, isso aqui é o melhor que você poderia conseguir. Os anos sessenta acabaram há muito tempo, cara mulher independente. Ah, mas aquela sim é que era época boa, de mudanças nos costumes, de liberdade. Hoje estamos aprisionados, assistindo à violência tomar conta de tudo. Meninos assassinos, ladrões de apartamentos, sequëstros-relâmpago, corrupção nos governos. Esse mundo não vai ter jeito? Isso aqui não tem jeito, não. Falta pouco pra gente explodir de vez. Só porque tenho meios para evitar que isso aconteça comigo, não posso ser responsabilizada. Bom, não falta mais nada. Pronto. Com isso concluo a liquidação da empresa. Ai, que cansaço. Hum-hum-hum-hum-hum (cantarola uma música). Pela manhã esta companhia estará dividida em milhares de pequenos papéis, resultando em mais uma generosa comissão de seis dígitos. Um belo trabalho, tenho que admitir. Mas o que eu gostaria mesmo era de estar bem longe daqui, fazendo qualquer outra coisa. Liberdade. Não, não, nada disso. Nasci pra isto, morro assim.

domingo, 22 de fevereiro de 2004


Contos da Anta
George W. Bush pretende reeleger-se presidente dos Estados Unidos, apoiado por wasps ultraconservadores e pelo sistema financeiro. O joystick da maior máquina de guerra do planeta não pode permanecer em mãos erradas. Cristão fundamentalista, belicoso e anti-protocolo de Kyoto, não pode ser a melhor opção para governar o país que governa o mundo. Vamos secá-lo.

sábado, 21 de fevereiro de 2004

Crônica urbana (1) - primeira parte de obra composta por uma trilogia e um epílogo
Mendigos. Os malditos ficam no meio da calçada e somos obrigados a desviar, como se eles fossem os donos da rua. Esses parasitas deviam estar trabalhando. Os aleijados são os piores, exibindo as feridas horríveis. Gente inútil. Esses pregadores me deixam surdo, esses gritos me irritam. Sai da frente. São uns exibicionistas que querem falar da própria vida e não encontram oportunidade. Babacas. Olha só esses dois, parecem viados. Não são, mas parecem. Querem parecer. Olha só. Escrotos. O cabelo já tá crescendo, tenho que rapar de novo. Sai da frente, idiota. Isso mesmo, não reclama, não, senão leva. Essa é gostosa, mas estica o cabelo, deve ter sangue negro. Distante, mas tem. Podia dar uma lição nela, daquelas pra não esquecer. Pra respeitar. Ela ia ver só. É aqui. Agora é só esperar. Saco. Uns 25, mas tá melhor que ontem. Putz, essas comadres vão falar até encher minha paciência e eu arrebentar uma. E o imbecil ali tá olhando o quê? Não é pra mim, ele olha o ar, o panaca, enquanto espera o gerente. Mais um falido tentando um empréstimo. Vai dançar, pela cara do gerente. Por que ele acha que tá sem dinheiro?, por que é que ele acha que tá sem emprego? Eu te digo, por causa dos parasitas, das raças inferiores. Que roubam nossos empregos e estupram nossas filhas, que você sabe quem são. Por causa desses camelôs aí na porta do banco, idiota. Vê se faz alguma coisa, seu porco, ou sai da área. Eu estou fazendo alguma coisa. Eu estou. Isso aqui não vai andar, não? Olha só esse guardinha. Não dá conta de ninguém com essa arma de brinquedo, com essa cara de quem apanha da mulher. Ridículo. A madame agora vai deixar as jóias ou pegar mais grana. É sempre assim. Tá chegando. Falta só essa gorda. Que baleia. Quem despreza o próprio corpo merece todo o meu desprezo. Tenho que fazer umas sessões mais tarde. Calibrar os músculos, rapar a cabeça. Vou falar com os cara, hoje. Chegou a minha vez. O caixa tá me perguntando se o depósito é pra hoje, se eu vou pagar mais de uma parcela dos carnês do doutor, se eu tenho trocado... eu só queria esganar esse idiota. Entreguei tudo, com o dinheiro da firma contado e o mané ainda tá fazendo pergunta. Como é que eu vou saber? Como é que eu vou aprender a somar agora? Vê se anda logo, palhaço, que se eu chegar mais cedo ganho uma gorjeta do doutor Fernando. Hoje eu não tô bom.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

O Processo
Repórter - O senhor é um arquivo vivo?
Juiz - Sou.
Repórter - Se morrer, as denúncias vão embora com o senhor?
Juiz - Não. Há quem possa revelá-las.


João Carlos da Rocha Matos, juiz preso por corrupção, formação de quadrilha, peculato e venda de sentenças, em entrevista à TV Bandeirantes.

Não é preciso ser especialista em análise do discurso para perceber que JCRM ocupa apenas um posto na hierarquia dos criminosos de toga.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

Futuros amantes
Chico Buarque/1993

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

domingo, 15 de fevereiro de 2004

Jazz after midnight
Amplificadores Pevey, Chico (baixo), Guido (bateria), Mauro (teclados), Paulo (voz), eu (guitarra) e o rock n’ roll. Sons raros na noite mais longa do ano.

domingo, 8 de fevereiro de 2004

Causa
Guilherme Arantes, no Bem Brasil, esclarece que sua crítica às duplas neosertanejas que gravaram Planeta Água era um convite para que o agribusiness investisse na causa ambiental.

Claro que o interesse dos neosertanejos pela produção de botas de couro supera qualquer brio ecológico.

O músico fez uma interessante comparação entre o Big Brother Brasil e o neoliberalismo, dizendo tratar-se de um grupo de pessoas que não lêem livros, submetidas a um jogo que valoriza armação, golpes baixos, corrupção. Gente bonita de pouco conteúdo, submetida à arena do capital.

Mora na Bahia, atualmente, onde conduz um projeto de educação ambiental com crianças que vivem em áreas de mangue.

Ativista é quem faz.

sábado, 31 de janeiro de 2004

Na vitrola
Luciana Pestano
Gentle Giant - Three friends
Kings of leon - Youth and young manhood

Guerra fria