quinta-feira, 29 de setembro de 2005

Leio Haxixe, de Walter Benjamin

Belo Horizonte - Ri à beça com as aventuras do excelso teórico da Escola de Frankfurt e seus colegas de pesquisa (Ernst Jöel e Fritz Fränkel) na embriaguez do haxixe. Como Edgar Morin, Benjamin acreditava no observador participante, uma forma de imersão no campo de pesquisa que vai além da mera transcrição de detalhes (o que está matando o jornalismo) e parte para a compreensão de todo o universo de significações, via observação direta, do comportamento do(s) indivíduo(s) pesquisado(s) em determinada situação. Um tipo de trabalho onde a participação não gera interferência direta nos resultados, mas uma metodologia de acompanhamento de cada experiência.

De modo assaz genérico, pode-se dizer que a noção de um "lá fora" ou de um "além" vem associada a um certo desprazer. Mas é preciso distinguir rigorosamente o "lá fora" do campo de visão extremamente vasto que, para a pessoa sob o efeito do haxixe, tem tão pouco a ver com o "lá fora" quanto, para o espectador de teatro, o palco e a rua fria. Insistindo nessa analogia, dir-se-ia que entre o drogado e seu campo de visão parece interpor-se uma espécie de proscênio por onde perpassa uma brisa bem diversa: o mundo exterior. (p. 52)

Bloch se dispõe a tocar-me de leve o joelho. Sinto o toque da mão muito antes que ela me alcance, e o gesto me choca como uma desagradável violação de minha aura. (p. 53)

Benjamin, como em outros experimentos, mantém o braço e o dedo indicador, apoiados no cotovelo, apontados para cima. "Talvez minha mão se transforme num pequeno ramo". É extraordinariamente significativo que, na imaginação de Benjamin, tenha se acrescentado a essa observação "se é que não se manifestou simultaneamente a ela" a idéia de que a mão ramificada se cobria de neve. (p. 107)

Além do ornamento porém, há na esfera banal das coisas observáveis certos objetos que transmitem ao êxtase o peso e o significado que os habitam. Entre eles incluem-se as cortinas e os rendados. As cortinas são intérpretes da linguagem dos ventos. Elas conferem a cada sopro o perfil e a sensualidade das formas femininas. Diante delas o fumante, absorto em seu jogo ondulatório, desfruta do mesmo prazer que lhe proporcionaria uma bailarina consumada. Mas, se a cortina estiver aberta de par em par, ela pode tornar-se instrumento de um jogo ainda mais extraordinário, pois essas rendas funcionarão para o fumante como padrões, que por assim dizer, seu olho imprimirá sobre a paisagem, transformando-a de maneira singular. (p. 38)

Embora a incoerência típica do êxtase resulte num texto vezooutra anárquico, Benjamin apresenta características da borracheira com a maestria literária e científica que lhe são próprias. Certas passagens são hilárias, como convém à estupefaciência. O livro ainda acrescenta experimentos com Mescalina produzida pelo Laboratório Merck, aquele mesmo, do Paracetamol.

Livro: Haxixe
Autor: Walter Benjamin
Editora: Brasiliense
Páginas: 126
Preço: Esgotado

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Belo Horizonte - ACREDITO NA BLOGOSFERA como novo espaço público habermasiano, lugar de gestação de novas políticas de comunicação, onde a liberdade de pensamento e a possibilidade de intervenção sejam plenas. Os sistemas de comentários dos blogs serão fantasmas assombrando a grande imprensa, num futuro muito próximo. Os mass media precisam se render à manifestação da audiência, ou seu modelo entrará em colapso. Políticas públicas globais de comunicação, já!

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Belo Horizonte - MANTENHO ESTE BLOG HÁ ANOS e os resultados de audiência para uma nova proposta de texto em quatro dimensões (quer entender, leia os arquivos, cansei de desperdiçar HTML) são pífios. O que faz pensar se a manutenção deste espaço vale a pena. Não trato blog como terapia, passatempo ou modismo, nem condeno sua utilização dessa forma. Escrevo para formar leitores, uns trezentos a quinhentos, que possam consumir minha produção literária chinfrim no futuro. Blogar cria atalhos no percurso literário.

sexta-feira, 23 de setembro de 2005

Belo Horizonte - NOSSOS ESCRITOS DIGITAIS SÃO GARANTIA DE ETERNIDADE? Teremos, com nossos blogs encontrado a solução para o grande dilema sartriano? Teremos oportunidade, como nas crenças monoteístas, de que um grande backup salve nossos textos toscos da destruição e forje uma Bíblia do futuro, destinada a uma nova humanidade, bárbara e destecnologizada?

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Belo Horizonte - BLOGS SÃO COMO DRUGS. Ao tornar-se usuário, nunca se sabe quando parar. A dependência pode durar anos. Mais da metade dos blogs (e eles existem aos milhões) morrem em 24 horas. Há uma quantidade absurda de cadáveres de blogs por aí. A maior parte não merece leitura, mas bons blogs também acabam. O André Muggiati não bloga mais. A Sidênia parou de blogar. A Lili e a Chris também pararam. O Luís Ene, querido crítico insuspeito d'além mar, matou o Ene Coisas. Já meus amigos Humberto e Vandré são mortos-vivos da blogosfera: vivem ressuscitando. Morrem os blogs, mas morrem também os autores de blogs, caso da Eduarda, que deixa órfão o Caderno de Sonhos, eternamente congelado em pixels, lacrado por senha inexpugnável.

Leio Alta Fidelidade, de Nick Hornby

Belo Horizonte - DEZ ANOS APÓS o seu lançamento e standartização como literatura pop e é a mesma coisa que lê-lo na época. O personagem Rob Flemming encarna tipo xiita que briga com fãs do Simple Minds e mantém uma mente de 16 anos em corpo de 35. Fui assim aos 23. Mais do que a Síndrome de Peter Pan, subsiste no protagonista o (bom?) e velho conservadorismo britânico, agregado à incapacidade de amadurecer um relacionamento. Tudo isso no meio dos milhares de discos que compõem a trilha sonora da sua vida. A complexidade psicológica de Flemming pode ser subestimada pelo leitor mais afoito ou demasiado exigente. Mas ela não comparece nos trechos abaixo:

A loja tem cheiro de fumaça choca, umidade e capas plásticas, e é estreita e lúgubre e suja e apinhada, em parte pórque é isso que eu queria - é assim que toda loja de discos devia ser, e só os fãs de Phil Collins dão bola para as que parecem limpas e saudáveis feito casa de subúrbio. (p. 40)

Antes de a banda subir ao palco, tudo é genial. Antigamente levava um tempo até as pessoas esquentarem, mas hoje elas estão a fim de cara. Em parte isto é porque, na sua maioria, os freqüentadores desta noite estão alguns anos mais velhos do que estavam há alguns anos, se vocês entendem o que eu quero dizer - em outras palavras, este é exatamente o mesmo pessoal, e não seus equivalentes de 1994 - e eles não querem esperar até meia noite e meia ou uma hora para deixar cair: estão cansados demais para isso hoje em dia, e de qualquer forma alguns deles têm que ir para casa render as babysitters. (p. 257-58)

O livro é a prova da difícil convivência entre uma mulher normal e um homem com um enorme coleção de discos. Para colecionadores de discos e suas cara-metades.


Livro: Alta fidelidade
Autor: Nick Hornby
Preço: R$ 29,00
Editora: Rocco
Páginas: 267

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Emera

Belo Horizonte - Nossa amiga (minha, da Andréa, do Liu) Eduarda morreu. Seu nome verdadeiro está na lista do e-pístolas: Eduarda Matos. Era mais conhecida por Emera, que rima com blogosfera.

Seu blog era um sucesso no Brasil e fora dele. Foi através de seus escritos que meu amigo Carlos Saraiva a conheceu. O namoro virtual virou realidade e um dia os dois pintaram na nossa casa em São Paulo, onde fiz a foto que aparece no Orkut.

Saraiva deixou Sampa e foi pra Fortaleza por causa dela. Dona de texto econômico, escreveu no lendário blog coletivo Canaimé, comigo, o Nei, Vítor, o Saraiva e o Vandré. Leitora de Clarice e Mishima, fã de bom cinema e boa música, era mística e já correu o mundo, fazendo o próprio caminho. Na segunda-feira, depois de uma cirurgia mal-resolvida, Eduarda morreu.

Atribuir culpas ou cultivar ressentimentos contra erros médicos, cada vez mais comuns porque cada vez mais tolerados, não a trará de volta. O Saraiva, em Fortaleza, curte sua dor ao lado dos pais de Eduarda. Não deixe comentários aqui. Vá ao blog dele ou ao dela e diga qualquer coisa. Que Eduarda, como persona virtual, vive.

Guerra fria