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sábado, 24 de março de 2018

O Incendiário

A série brasileira O Mecanismo (Netflix) dirigida por José Padilha com os excelentes Selton Mello e Enrique Diaz, pode orgulhar-se do elenco, do orçamento gordo, da produção esmerada e da relativa liberdade criativa num momento em que a indústria do entretenimento torna-se refém de um público cada vez mais jovem e exigente.

Para atender à indústria, muitas obras são descaracterizadas. Personagens mudam de país, gênero e profissão; um animal de estimação que não estava no roteiro pode surgir como deus ex machina. Estereótipos de amoralidade, violência e brejeirice que ilustram o imaginário norte-americano sobre seus vizinhos do sul são contemplados.

É preciso despir-se de orgulho e vaidade. É preciso despir-se.

Para alguns artistas, a dignidade não é negociável. Para outros, o controle é suportável, OK,  acrescentamos o cão. Há ainda um terceiro grupo que retrata a própria cultura com platitudes do olhar norte-americano. O esforço pela aprovação do colonizador é compensado numa reunião a portas fechadas, onde os termos de Mefistófeles são aceitos um a um. Minutos depois, um faustoso cineasta atravessa a sala de espera repleta de candidatos ao panteão com um sorriso no rosto.

José Padilha é um especialista em mondo cane. Não tem a literacia de Paulo Lins, a crueza de Peckimpah, a verve de Loach ou a estética de Tarantino, mas consegue tornar programas de TV policialescos em linguagem de cinema. Seus heróis são advogados e policiais que agem como templários do estado autoritário, em missão divina. Vivem no limite da razão e esse destempero é vendido como resultado da complexidade humana.

Mas não há complexidade no cinema de Padilha. Sua insatisfação é com o "sistema corrompido", não com o sistema em si. Por isso a apologética O Mecanismo baseia-se em "Lava Jato: o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil. O livro de Vladimir Netto integra a Cesta de Leituras do MBL, um conjunto de escritos produzido na esteira do golpe com palavras-chave e títulos longos para leitores sem tempo de ler. Entre estes destacam-se "Operação Lava Lula" (Adib Abdouni), "O jogo sujo da corrupção" (Luiz Flávio Gomes) e o melhor de todos: "A luta contra a corrupção: a Lava Jato e o futuro de um país marcado pela impunidade", de Deltan Dallagnol.

Há poucos defeitos técnicos nas obras de José Padilha. As locações são excelentes e a equipe técnica é competente, mas o resultado é funcional e ideológico, num universo que vai de traficantes impiedosos a empresários poderosos e de policiais robôs a robôs policiais, num discurso incendiário e niilista. Average movies for average guys.

Vista a obra, percebe-se que o grande adversário de José Padilha é a esquerda, especificamente o PT, terceiro partido citado numa lista do doleiro de Enrique Diaz, logo após PMDB e PSDB. Causa a impressão de que a corrupção será discutida em suas origens, mas a falsa isenção dura pouco. Logo depois surgem as caricaturas de Lula da Silva e Dilma Rousseff como políticos ávidos por dinheiro, impiedosos com trabalhadores que pagam impostos. Gênios do mal que desafiam os herois de toga e colete.

Padilha sabe manipular o ódio deste brasileiro neo-politizado e "anti-corrupção" com resultados de Jornal Nacional. Para isso, vale colocar na boca de Lula uma frase de Romero Jucá: "estancar a sangria". Defende o orquestrador do golpe e acusa o PT na mesma cena. Quase brilhante. O casuísmo de produzir uma série no calor da investigação revela a sede de vingança de Padilha. extravasada em herois sombrios, reativos e feitos de aço. Líderes ideais para o hater brasileiro que leva a cruz numa mão, a espada na outra e não carrega um livro porque ninguém tem três mãos.

A criminalização da esquerda e a defesa de uma sub-elite raivosa manifesta em seus filmes revelam a opção por um caminho goebbeliano que ameaça a sociedade e as artes. Socialmente excludente, o cinema de Padilha é bem-vindo em tempos de crescente fascismo. Ele é um homem do seu tempo, sabe-se substituível e surfará a onda conservadora enquanto ela se sustentar. Mas não há redenção ou temperança na obra padilhesca que indiquem sua sobrevivência artística. O tempo dirá se o libelo policialesco que inaugurou em Tropa de Elite produziu mais reflexão que entretenimento.

domingo, 3 de abril de 2016





Zakopane - Há 15 anos o Canaimé surgiu como primeiro spotlight do racismo praticado em Roraima contra os povos indígenas, embora tenha sido criado entre cervejas e rockabilly no bar Little Darling, em Indianópolis, num já distante inverno paulista.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Dilma em fuga

Boa Vista - Neste momento, são apenas 32 graus à sombra. Mas a sensação térmica sob o toldo de lona facilmente ultrapassava os 40, quando a presidenta discursou aos povos. Havia movimentos sociais "casca grossa", como o MST, quietinho, quietinho. Havia indígenas em seus trajes, LGBTs em tons dourados aproveitando a alta luminosidade e um punhado de servidores da Educação, Justiça Federal e Previdência. O protesto quase não se ouviu. Defensores do governo, olhar misto de espanto e indignação, vaiaram. Pedir "Justiça e Educação" aqui, com esse calor, onde já se viu?! 

Os clientes do plano habitacional de maior sucesso na-história-desse-país exultavam. E havia a imprensa. E convidados VIPs, cujo critério de escolha é mistério. E finalmente o palco, onde os donos do poder dividam a mesa principal. Dois senadores e uma senadora eleitos por Roraima conversavam alegremente num evento quase privado, dado o esquema de segurança. Não fosse o Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, seguranças oficiais e espiões em meio à turba suada, facilmente se confundiria com espetáculo de música. Tipo Wesley Safadão ao vivo no Mané Garrincha. 

Antes da presidenta, houve falas. A prefeita foi simpática e gentil. Same as it ever was. A governadora exigiu menos terras indígenas e áreas de proteção ambiental. Same as it ever was. Um ministro/pastor perguntava à plateia quem pagava aluguel acima de 500 reais. E 400 reais?! E 300?! E 200?? E 100, quem pagava mais de 100 reais de aluguel, minha gente? Braços suados em riste. Assessores políticos de bracos erguidos também. Leni Riefenstahl se refestelaria. Leques com a logo do Município foram distribuídos. Ventos a 4km/h. A presidenta falou até as 13h, abatida pelo calor. Disse que já resistiu a muitas dificuldades e não admite que haja desestabilização política. Só econômica. E só um pouco. O Brasil é forte. E já esteve pior. Quando a oposição foi governo, por exemplo... 

Depois entrou num helicóptero e se mandou sem falar com jornalistas. Parecia ter adivinhado que entre microfones, filmadoras e bloquinhos de papel havia um não-credenciado que cruzou cada uma das barreiras de acesso, sem crachá, como o alien de Gilberto Gil. Ou talvez o assessor tenha notado a camiseta vermelha do Comando Nacional de Greve do ANDES num jornalista que por acaso é professor federal em greve, portanto gente da pior espécie. Cinejornalistas frustrados, fotógrafos suados e decepção geral para quem entrevistaria a primeira celebridade. Repórteres maquiadas e lívidas, perderam a paciência e silenciosamente decidiram não votar em Dilma na próxima eleição.

Guerra fria