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quinta-feira, 29 de agosto de 2002

Inteligências coletivas

Digeratti de todas as idades e tribos reuniram-se há poucas horas no Sesc da Vila Mariana para ver Pierre Lévy dizer que a revolução sócio-antropológica que vivemos com o ciberespaço equivale à da invenção do microscópio no século XVII. Porque estamos descobrindo um novo mundo, o mundo da inteligência coletiva.

Para exempificar suas teorias sobre o grande cérebro eletrônico que estamos criando com os conteúdos que são disponibilizados na web - da qual participamos em maior ou menor escala -, Lévy comparou os seres humanos aos animais e disse, com eufemismos acadêmicos, que somos mais bem resolvidos que o outros mamíferos porque temos capacidade de perguntar, dialogar e transferir conhecimentos. Achei um exagero, afinal os animais fazem isso telepaticamente e telepatia parece ainda não estar entre os interesses de mounsieur Lévy.

Depois falou que uma multidão de seres humanos é menos inteligente do que o indivíduo - Aldous Huxley não foi citado, mas talvez tenha sido o primeiro a falar sobre esse veneno gregário no Regresso ao admirável mundo novo. E, claro, que uma multidão de abelhas é mais inteligente que uma abelha só, ocorrendo o mesmo com as formigas e as zebras. O ciberespaço, essa grande biblioteca, seria o ecossistema das idéias humanas na qual elas crescem como plantas - disso eu gostei -; o fim do copyright para idéias abstratas e a expansão do software livre foram temas tocados en passant.

Pouco critério na seleção das perguntas enviadas ao filósofo. Vi a minha sobre ciberativismo e povos indígenas da Amazônia começar a ser lida, mas teve que ser interrompida pelo próprio Lévy para responder as duas das três perguntas em seqüência que o professor da Unicamp lhe empurrara. Ouvi uma promessa de uma resposta por e-mail. E estou registrando.

A impresão que eu tive, olhando o solitário professor francês no centro do palco, a cinqüenta metros de altura no pior lugar do teatro, é de que a tela é muito mais que o objeto à nossa frente neste momento.

terça-feira, 16 de julho de 2002

Livros

São Paulo - O segundo trimestre de 2002 rendeu pouco. Li pouco. Escrevi pouco. Saí pouco. Ganhei pouco. Pouco is beatiful.

Leio Regresso ao Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) - Vinte e sete anos depois, o velho Huxley revisita seu livro mais controvertido e, diferente de gente como eu e você, que pode detestar tudo o que escreveu há um ano, faz uma análise precisa dos acontecimentos presentes e seus desdobramentos futuros.

Leio O Médico de Lhassa (Lobsang Rampa) - Continuação das loucas aventuras de um monge tibetano pela China. Leia com atenção as descrições cruas das torturas japonesas.

Leio A Hora dos Ruminantes (José J. Veiga) - Pavorosa história do sinistro J. Veiga, sobre figuras estranhas que acampam do outro lado do rio, deixando os moradores da pacata Manarairema em estado de pânico.

Leio A Morte Feliz (Albert Camus) - Camus, neste que foi um dos seus últimos escritos (embora tenha sido preparado na mesma época que O Estrangeiro) fala de amor de forma existencial e niilista, como sempre. Mas envolto num lirismo inesperado. Quem não gostaria de habitar a Casa Diante do Mundo?

Leio Vidas Secas (Graciliano Ramos) - Fui, provavelmente, o último brasileiro a ler as aventuras e desventuras de Fabiano, Sinhá Vitória e a cachorra Baleia. Antes tarde do que nunca. Graciliano é um mestre na arte da síntese. Felizmente ele nasceu na época certa, ou hoje seria obrigado a atuar na publicidade.

Leio Pemongon Patá: Território Macuxi, rotas de conflitos (Paulo Santilli) - A tese de doutorado de Santilli, sobre a organização política dos índios macuxi, me deixou com saudades de Roraima. O autor caiu em campo e trouxe lendas e guerras dos índios. E atinge, em cheio, o stablishment político e agrário de Roraima, dominado por um punhado de famílias de invasores da terra indígena que se perpetuam no poder até hoje. A luta pela demarcação da terra dos índios continua, em pleno Século 21.

Leio O Túnel (Ernesto Sábato) - Suspense argentino, pra levantar os ânimos. Sábato é o tipo intelectual-acadêmico-científico que enveredou pela ficção. O livro segue o modelo das "memórias do assassino", mas um assassino de classe, amante das artes e artista. Um criminoso assoberbado.

Leio Seis passeios pelos bosques da ficção (Umberto Eco) - Pra quem AMA literatura. Nesta obra, baseada na série de seis palestras que deu em Harvard, o velho Eco é, ao mesmo tempo, acadêmico e fã de literatura. Claro que ele trata de Ulisses, A Metamorfose, A Montanha Mágica, O Aleph e outras grandes obras. Pérola: "A imensa e antiga popularidade da Bíblia deve-se à sua natureza desconexa, resultante de ter sido escrita por muitos autores diferentes".

Guerra fria