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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Li Pesadelo Refrigerado, de Henry Miller

Em Pesadelo Refrigerado, escrito no começo dos anos 40 depois de uma longa viagem pelo país, Henry Miller abre as vísceras dos Estados Unidos para a gente menos interessada em conhecê-las. É que o povo mais belicoso e gordo do mundo preza demais a própria visão obtusa para fazer qualquer juízo. A atual resistência à socialização dos serviços de saúde é muito ilustrativa.

"Somos uma turba vulgar e opressiva cujas paixões são facilmente mobilizadas por demagogos, jornalistas, charlatães, religiosos, agitadores e que tais. Chamar isso aqui de sociedade de povos livres é uma blasfêmia." (p. 23)

Miller faz a viagem acompanhado inicialmente pelo pintor Abe Rattner. A ideia de produzir um livro ilustrado com bolsa da Fundação Guggenhein não dá em nada, mas ele viaja assim mesmo, esperando que pelo menos parte de seus compatriotas entenda o projeto. Um propósito que Miller sabia de certa forma inútil, mas poderia servir como terapia para um ex-expatriado expulso pela guerra da Europa.

"Os únicos artistas do presente que vêm sendo regiamente recompensados por seu trabalho são os charlatães; entre eles estão não apenas a variedade importada, mas também os filhos nativos que são capazes de levantar uma nuvem de poeira quando se trata de questões reais." (p. 146)

Milhares de quilômetros e centenas de páginas escritas depois, a análise de Miller é preciosa e pouco compreendida. Ainda que a America seja desvendada por gente como Miller, Kafka, Morgan Spurlock, Tzvetan Todorov, Allen Ginsberg, John Harris ou Bill Maher, o capítulo conclusivo parece perpetuamente escrito por Halliburton, GE, Taco Bell....

"A América não é lugar para artistas: ser artista é ser um leproso moral, um desajustado econômico, uma obrigação social. Um porco alimentado a milho tem vida melhor que um escritor criativo, um pintor ou um músico. Ser coelho é melhor ainda." (p. 19)

Talvez o problema esteja nas promessas de leite e mel advindas de uma formação religiosa capitalista e excludente. Um problema messiânico. Terras prometidas têm um quê de perfeição incapaz de ser modificado. Quando o cultivo dos próprios valores supera qualquer outra visão contraditória; quando cânones e tabus são respeitados geração após geração apesar do esforço de intelectuais, vanguardistas, visionários; quando o amor pela terra e seus frutos é maior que o amor pelas pessoas, percebemos a inutilidade de qualquer discurso de auto-crítica. Por isso temos Estados Unidos. Por isso temos Roraima.

Livro: Pesadelo Refrigerado
Editora: Francis
Ano: 1945 (Ed. 2006)
Preço: R$ 39

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

J. D. Salinger morreu?


J.D. Salinger morreu mesmo ou é golpe publicitário? (piadinha mórbida sobre escritores reclusos, que deve ser feita de preferência durante o velório).

Se houver um céu dos escritores, Salinger será recepcionado por Zelda e F. Scott Fitzgerald, que farão o discurso de recepção e imitarão quadrúpedes para a diversão da platéia. Truman Capote contará piadas ácidas e espirituosas sobre as frescuras salingerianas. Serge Gainsbourg tocará (mal) alguma coisa ao piano. Virgina Woolf, Silvia Plath e Ernest Hemingway ficarão reclamando da vida post-morten e Hermann Hesse, cansado da bagunça e alegando dor de cabeça, vai mandar todo mundo pra casa mais cedo. Joseph Pulitzer vai achar bom, por causa do barulho e... ops, Pulitzer era jornalista. Jornalistas não vão para o céu.

PS: Chegou a hora de ler o Apanhador no Campo de Centeio. Tá, sei, já devia ter feito isso. Mas também não li O Pequeno Príncipe. Fiquei ocupado com Homero, Sartre, Platão, Saramago, Henry Miller, Don Delillo...

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

Coisas detestáveis em literatura

Divinópolis - Bukowski. Sei que com isso incomodo pessoas bacanas, que lêem de tudo um pouco e curtem proscritos de toda ordem chafurdando no mundo-cão, etc. Mas Bukowski carece de qualidade literária em sua prosa irregular, seus gostos duvidosos, suas falsas verdades de bêbado. A literatura etílica é desbocada e sem horizontes intelectuais mais ambiciosos, com a parca capacidade descritiva dos consumidores de whiskey travestida de fluxo de consciência. Quase sempre relação de coisas e pessoas que compõem o universo dos alcoólatras: brigas de prostitutas em becos sujos, lixo espalhado e bares de péssima reputação. Bukowski está num limbo cognitivo no qual não podemos entrar sem assumir sua postura looser de cordeiro em pele de lobo.

Bukoswski jamais seria Henry Miller porque nunca foi um grande leitor e se interessava mais pelas garrafas que pelas mulheres. Nem William Burroughs porque, convenhamos, Burroughs é de erudição e decadência insuperáveis. Jamais seria Jack Kerouak porque pôr o pé na estrada significaria uns goles a menos na imobilidade dos bares. Ernest Hemingway não fazia do álcool sua única profissão de fé: tinha mais assunto. Scott Fitzgerald também, mas tinha classe. James Joyce tomava todas, mas se os seus livros porventura são interpretados como resultado de bebedeira falta vinho a seus detratores.

sexta-feira, 5 de abril de 2002

Letras devoradas

São Paulo - Li apenas nove livros no primeiro trimestre de 2002, o que é uma média razoável, mas ainda insatisfatória. Vamos a eles:

1 - O Falador (Mario Vargas Llosa)
2 - Uma estranha realidade (Carlos Castañeda)
3 - A terceira visão (Lobsang Rampa)
4 - Trópico de Capricónio (Henry Miller)
5 - Memórias do Cárcere I (Graciliano Ramos)
6 - Memórias do Cárcere II (Graciliano Ramos)
7 - O Diário de Bridget Jones (Helen Fielding)
8 - Cheiro de Goiaba - Diálogos com Gabriel García-Márquez (Plínio Apuleyo Mendoza)
9 - O Quarto de Jacob (Virginia Woolf)


O Falador, de Llosa é uma fabulosa (palavra que tem que ser entendida em seu significado original, e não em acordo com o adjetivismo primário de nossos dias) novela movida a turning points, com aquelas mudanças radicais que nos causam arrepio, embora sem muita surpresa. O que considero uma grande vantagem, já que a surpresa pura e simples pode ser bem decepcionante, enquanto algo que anuncia-se sorrateiramente, aproxima-se com cuidado, faz ameaças e recuos e, principalmente, provoca-nos a sensação de que pode não ser o que estamos imaginando, me parece muito mais satisfatório. Não confundir com previsível.

Uma estranha realidade é o segundo livro de Castañeda, feito sete anos depois de A Erva do Diabo (odeio o título em português), que foi traduzido em mil línguas e vendeu bilhões de livros mundo afora, tornando o antropólogo de nome fake Carlos Castañeda conhecido internacionalmente. Depois de curtir os louros da fama, ela volta ao Novo México e apresenta a obra ao velho mestre don Juan, que faz pouco caso dos conceitos de fame, fortune and glory de nosso amigo - que sempre se diz violentado pelas alucinações mas não deixa de mascar peiote e viajar por outras dimensões.

A terceira visão é um livro que deixei de ler na adolescência por causa de um Edgar Allan Poe sempre à mão. Acho que fiz bem. Ou não? Rampa tem uma escrita semelhante ao passo e ao fôlego dos orientais, o que é curioso. Assim como suas descrições cruas de rituais místicos tibetanos e de seu pouco caso com a morte. Comprei Entre os monges do Tibete, mas este é o último da trilogia que começa em A Terceira visão. Falta-me O médico de Lhasa.

Trópico de Capricórnio não merece comentários. Leiam. Se posso dizer qualquer coisa sobre esse livro é que talvez ele seja o tipo de obra que nós, espirantes a escritor, planejaremos durante toda uma vida e talvez venhamos a morrer sem fazê-la. Cru, amoral, machista, despótico, autêntico, sem freios. Li uma edição dos anos 60, com uns poucos grifos feitos pelo leitor da época, nas primeiras páginas. Depois não há mais grifos, provando que o livro conta mais sobre sua vida do que você possa imaginar. Encontrei milhões de motivos. Mas não fiz nenhum grifo.

As Memórias do Cárcere aqui consideradas como dois livros por imposição da Editora José Olympio, nessa edição do começo dos anos 70. Pungente. O cara é bom em descrições estóicas e, por incrível que pareça, muito pouco auto-comiserativas. Rachel de Queiroz, Nise da Silveira, José Lins do Rego, Jorge Amado, Olga Prestes e Sobral Pinto, entre outras figuras ilustres, obscuras e excêntricas, aparecem nas suas 676 páginas (373 do primeiro mais 303 do segundo volume). Só para abusar do lugar-comum, é o retrato de uma(s) época(s).

O Diário de Bridget Jones é um dos best-sellers do momento, mas não quer dizer que seja ruim. Humor inglês despretensioso, até meio novaiorquino, numa mescla de Woody Allen e Mike Leigh em comédia shakesperiana dirigida por Kenneth Branagh. Ou também pode não ser nada disso. Um livro mulher. Uma livra.

Cheiro de Goiaba, frase que não aparece no livro, é creditado a Gabriel García Márquez mas na verdade é de Plínio Apuleyo Mendoza, amigo íntimo de Gabo e autor de singela biografia desse colombiano-maluco-parecido-com-meu-pai. Altas revelações sobre técnicas literárias e superstições do Caribe.

O Quarto de Jacob marca o início da fase experimental de Virginia Woolf, com seu belo texto poético estilhaçado em mil pedaços, esculpindo personagens incompletos, omitindo emoções que depois são exteriorizadas violentamente. Uma saraivada. Grande livro. Um trecho, na página 80: "Ou somos homens ou somos mulheres. Ou somos frios, ou somos sentimentais. Ou somos jovens, ou estamos envelhecendo. Em qualquer caso, a vida não é senão uma procissão de sombras, e sabe Deus por que as abraçamos tão avidamente e as vemos partir com tal angústia, já que não passam de sombras."

Guerra fria