quinta-feira, 25 de novembro de 2004

Coisas detestáveis em literatura

Divinópolis - Bukowski. Sei que com isso incomodo pessoas bacanas, que lêem de tudo um pouco e curtem proscritos de toda ordem chafurdando no mundo-cão, etc. Mas Bukowski carece de qualidade literária em sua prosa irregular, seus gostos duvidosos, suas falsas verdades de bêbado. A literatura etílica é desbocada e sem horizontes intelectuais mais ambiciosos, com a parca capacidade descritiva dos consumidores de whiskey travestida de fluxo de consciência. Quase sempre relação de coisas e pessoas que compõem o universo dos alcoólatras: brigas de prostitutas em becos sujos, lixo espalhado e bares de péssima reputação. Bukowski está num limbo cognitivo no qual não podemos entrar sem assumir sua postura looser de cordeiro em pele de lobo.

Bukoswski jamais seria Henry Miller porque nunca foi um grande leitor e se interessava mais pelas garrafas que pelas mulheres. Nem William Burroughs porque, convenhamos, Burroughs é de erudição e decadência insuperáveis. Jamais seria Jack Kerouak porque pôr o pé na estrada significaria uns goles a menos na imobilidade dos bares. Ernest Hemingway não fazia do álcool sua única profissão de fé: tinha mais assunto. Scott Fitzgerald também, mas tinha classe. James Joyce tomava todas, mas se os seus livros porventura são interpretados como resultado de bebedeira falta vinho a seus detratores.

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

A lista do Francis

Divinópolis - A frase é batida, mas Paulo Francis foi mesmo um dos maiores e mais polêmicos intelectuais brasileiros. Crítico contundente e acidíssimo, homem das letras que não cursou universidade, podia travar batalhas gnósticas com qualquer livre docente. Não tinha diploma, mas ainda é usado como exemplo por alguns boçais que confundem autodidatismo com opção pela ignorância. Comparar-se a Paulo Francis é sempre uma heresia.

Guardava artigos de PF publicados na Folha, no Estadão. Lia e relia descobrindo aforismos, hipérboles novas, no seu texto encontrava palavras desconhecidas que me faziam correr até o dicionário e ler sempre mais de um verbete - como fazem os que lêem dicionários. Dentre os achados, a sua sugestão de biblioteca básica:
Os Sertões, de Euclides da Cunha;
Memórias Póstumas de Brás Cubas e O Memorial de Aires, de Machado de Assis;
A Apologia e Simpósio, de Platão;
As Vidas, de Plutarco;
A Guerra do Peloponeso, de Tucídides;
Os Doze Césares, de Suetônio;
Declínio e Queda do Império Romano, de Gibbon;
Lógica da Pesquisa Científica, de Karl Popper;
Prefácio do Novum Organum, de Francis Bacon;
Prefácio dos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, de Isaac Newton;
Prefácio de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead de seus Princípios da Matemática;
História da Filosofia Ocidental, de Bertrand Russell;
o capítulo sobre Positivismo Lógico;
Hamlet, de Shakespeare;
Antígona, de Sófocles;
Pequena História do Mundo, de H.G.Wells;
As Confissões, de Santo Agostinho;
A Origem das Espécies e Viagens de um Naturalista ao redor do Mundo, ambos de Darwin;
Cidadãos, de Simon Schama;
Rumo à Estação Finlândia, de Edmund Wilson;
História da Revolução em França, de Edmund Burke;
A Revolução Russa, de Trotski;
History of the United States of America, de Hugh Brogan;
Dicionário de Economia, da Abril;
Guerra e Paz, de Tolstói; Crime e Castigo, de Dostoievski;
A Montanha Mágica e Dr. Fausto, de Thomas Mann.

Dizia: "A lista que fiz me parece o básico. Em algumas semanas, duas horas por dia, se lê tudo. Duvido que se ensine qualquer coisa de semelhante nas nossas universidades. Se eu estiver enganado, dou com muito prazer a mão à palmatória."

Não é razão para deixar de estudar. Mas PF tem razão.

terça-feira, 16 de novembro de 2004

Li A trilogia de Nova Iorque, de Paul Auster

Divinópolis - Item importantíssimo da série "como ainda não tinha lido isso?", o livro reúne três novelas que se imbricam num momento e se repelem no outro, que se afastam e se reaproximam a cada página, num interessante jogo de espelhos, novidade na narrativa de literatura policial. Um roteiro pré-Pulp fiction (o filme) e pós pulp-fiction (a verve), se é que me faço entender.

Auster tem grandeza intelectual indiscutível, mas aqui ela é apenas insinuada. O autor não a deixa emergir, para não prejudicar o andamento aparentemente simples das três histórias. Cidade de Vidro começa com um telefonema recebido tarde da noite por um escritor de contos policiais que é confundido com um detetive particular chamado... Paul Auster. Em Fantasmas reúnem-se paranóias de investigadores e investigados nos anos 1940, em clima noir, onde os nomes não importam, todos substituídos por cores como Blue, Black, White, Brown e os papéis se invertem: loucura entra em cena.

O quarto fechado é a última novela e quase explica o início do livro, mas faz bem em não cumprir a missão. Melhor procurar o escritor maluco que não quer ser encontrado e ficar à mercê do mistério que a previsibilidade da literatura fácil dos que desconhecem Milton e não entendem porque o Harvey Keitel insiste em fotografar sempre a mesma cena em Smoke, o filme.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

Uma canção

Cowboy do amor
(Bob Nelson)

Quando monto em meu cavalo e jogo o laço
prendo logo, prendo logo um coração
sou cowboy, gosto muito de um abraço
mãos ao alto e não vá dizer que não

Sou vaqueiro, capataz de uma fazenda
nas horas vagas também toco um violão
o meu cavalo é ensinado
leva bilhete para a filha do patrão

Ubíqüo

Divinópolis - O Blogger agora tem interface em português. O Google tudo pode.

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

O poema

Divinópolis - Ler Mickiewitz é ser assaltado pela sensação de que o ato de escrever estará sempre associado às verdades universais. Comprovam-no as letras no encarte do Mande minhas lembranças ao onze, todas do Leãdro, que dedico respectivamente a Orib, Edgar, Mário, Humberto e Josimar.

Todo mundo quer amor / eu só quero a dor / todo mundo quer ter paz / eu vivo na espera / e no fim das contas / vou aonde meu nariz aponta (Stoney)

Ah, eu vou embora um dia / vou levar só o que carregar / bem assim eu me vejo indo / claro outono / a chuva caindo (Avenida Principal, 777)

Ouviram do Ipiranga / o brado redundante / viva o Brasil / onde o povo manda / Terra de santa Cruz / viveiro de urubus / a cuidar da vida alheia / bandeiras vermelhas / O futuro acabou / levante as mãos quem acreditou / o futuro éramos nós / perdidos e sem voz (Bandeiras vermelhas)

Vai ser tão bom, o maior som / deixar a Babilônia / deixar pra trás, sem outros que tais / a azia e a insônia (O chão encontra as nuvens)

Na margem do grande mar violeta / cavalos alados disparam siderais / sons e fúria tomam a luz do planeta / lâminas de fogo avançam mais e mais (Os novos deuses)

terça-feira, 9 de novembro de 2004

Um poema

Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas
Na minha infância campestre, celeste
Na minha juventude de loucuras e de alturas
Na idade adulta, idade de desdita
Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas


Adam Mickiewicz (1798-1855), traduzido por Paulo Leminski e reproduzido no encarte do Mande minhas lembranças ao onze, primeiro CD do Projeto Igor.

sexta-feira, 5 de novembro de 2004

A little bit more

Divinópolis - At least, we discover that Bush electors ignore history, politics and human rights. Stupid White Man. Perhaps Michael Moore is understood only abroad. Perhaps we all are wrong. But, if happiness is a warm gun, what is unhappiness?

Vengeange means a cold dinner.

Check it out.

quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Sad, sad day (ou como Bush estragou o dia)

Divinópolis - Sorry, dears readers, but unhappiness and rock n' roll are better told in english.

That's it. Intollerance wins. Homophobia wins. Barbarians win. Fundamentalism wins. Rich people wins. Ignorant people, also. So good-bye rock n' roll, hello Garth Brooks. Good-bye books, hi E! Entertainement Television. Good-bye yellow brick road, what's up, oil fields?

Choosing racism, greed and self-destruction, american people proofs, time after time, that 'civilization' as we know is going down. The president seems like an hibrid of Doctor Drake Ramoray (Friends) and Doctor Strangelove.

terça-feira, 2 de novembro de 2004

Almas Gêmeas

Além de atração física, tinham gostos e desgostos em comum. Os livros, por exemplo, foram tema de um dos primeiros passeios do casal. "A gente tinha dado uns beijos, mas ainda não estava nada certo. Então eu perguntei pro Davi (Moraes): 'você lê?' Como ele titubeou, fui logo dizendo: 'eu não leio. Não vem com papo furado de Clarice Lispector que não cola'. Aí ele confessou que também não curtia ler".

Ivete Sangalo, na Veja.

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Inteligência coletiva

Divinópolis - Em agosto de 2003, os blogs Um Dia Gnóstico, Zhuada e e-pístolas publicaram o post dadaísta "Wanderley, Takamine e o Diabo", direto da Vila Madalena, em São Paulo. Em setembro deste ano, a webnovela Totem começa com um post do Luís Ene, transformado em membro de uma improvável psicanálise de grupo. Agora, com base no post "Horror, horror!!", que publiquei há alguns dias, Ene escreveu mais uma de suas 1001 microestórias.

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

sexta-feira, 22 de outubro de 2004

Mulheres desaparecidas

Divinópolis - O que teria acontecido a Sidenia, Chris, Conce e Karina?

a) Resolveram seguir carreira musical, adotaram o visual afro e fazem backing vocal para o Paul Simon?
b) Integram a nova formação de As Panteras (Charlie's Angels)?
c) Entraram em crise com o excesso de exposição e agora só escrevem diários fechados?
d) Todas as respostas anteriores.

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Persona virtual

Divinópolis - Na próxima quarta-feira, dia 27, ministro uma oficina sobre weblogs, comunidades virtuais e micronações em Divinópolis, como parte da IV Semana de Comunicação da Fadom. Promessas de hipóteses interessantes sobre diários em rede, realidade e simulacro e o homo digitalis. Bases da minha pesquisa de doutorado sobre a persona virtual, o pós-humano, etc, etc, etc.

quarta-feira, 20 de outubro de 2004

TCP Ipê

TCP Ipê


Na tela

Divinópolis - David Gilmour in Concert. Para fãs. O líder do Pink Floyd em trabalho solo toca Shine on you crazy diamond com violão e o sax de Dick Parry. Tudo bem, tudo bem, havia um tecladinho inaudível ao fundo. Surpreende a preferência da platéia por faixas do discutível Division Bell, o último trabalho do PF. Gilmour toca com uma banda arrasa-quarteirão com coral, cordas, guitarra e baixo acústico mais convidados tipo Bob Geldof, Robert Wyatt e Rick Wright no Royal Festival Hall de Londres. Se visse o Rick Wright na rua não o reconheceria com seu cabelo curto e prateado e os óculos de vovô. Gilmour continua em forma. É um dos melhores guitarristas de sua geração e causa nobres sensações ao espírito com o ainda indefectível solo de Confortably numb.

sexta-feira, 15 de outubro de 2004

Na tela

Divinópolis - Olga é um belo filme brasileiro, de produção e direção competentes. Fernanda Montenegro permanece acima das críticas, mesmo coadjuvando. Impressiona figurinos, direção de arte e fotografia. A atriz Camila Morgado, em seu melhor papel, encarna a revolucionária alemã com esmero. Depois do filme, fica a lembrança do terror em seus olhos no campo de concentração.

O tema do holocausto é sempre muito caro a Hollywood e pode favorecer a produção na sua entourage pela Academy Awards, na esperança de disputar o Oscar de melhor filme estrangeiro. Mas além das qualidades técnicas, a história de Olga Benario, mulher, judia, comunista e revolucionária é um libelo anti-mediocridade. Um alerta de que nossas vidas precisam de alguma justificativa, porque viver só vale a pena com ideais.

Olga é dirigido por Jayme Monjardim.

segunda-feira, 11 de outubro de 2004

Das cidades

Belo Horizonte - A capital de Minas é como o Japão. Consegue preservar tradições em meio ao caos metropolitano. Belo Horizonte seria uma cidade de direita, como a convergência das ruas indica? A programação cultural atende à maioria dos gostos. Na Feira Hippie, aos domingos, uma infinidade de artistas, artesãos, fabricantes de jóias e roupas fecha uma das principais avenidas para comercializar sua produção a preços lúcidos. Nos parques, obras de Nienmeyer e Portinari convivem ao lado de pescadores urbanos da Lagoa da Pampulha. Nas lan-houses e boates, a tecnologia é de última geração. Só falta wi-fi. Apesar de ter rodado algumas horas pelo centro, shoppings e regiões menos óbvias, não encontrei redes wireless para exercitar o warchalking. A caçada continua. Aceito sugestões.

domingo, 10 de outubro de 2004

88 loucos ou Kill Bill 2

Belo Horizonte - Algaravia audiovisual egoísta e provocativa, uma insanidade de humor esquisito. Como se Kubrick, Lynch e Peckimpah tomassem chá na casa do lago em As Invasões Bárbaras. Tudo em Tarantino é uma grande aposta de pós-cinema.

terça-feira, 5 de outubro de 2004

Decoração

Divinópolis - Li no blog do Cláudio Costa que o travesseiro-namorado é o mais novo item da lista de paraísos artificiais que o dinheiro pode comprar. E no André Muggiati sobre a angústia que nos assalta quando percebemos a miséria. E no mesmo post, um comentário do Luís Ene dizia que podemos prescindir de alguns móveis, coincidindo com nossa mudança de São Paulo e os móveis que deixamos com os 10 milhões de vizinhos que nos fazem valorizar mais o espaço. Infelizmente livrar-se dos móveis é como limpar as gavetas: um dia elas terminam cheias novamente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2004

As invasões bárbaras

Divinópolis - Centenas de imigrantes africanos foram expulsos ontem, algemados, da Itália. Pela lei, imigrantes pobres devem ser deportados, medida geralmente usada em casos de extradição de criminosos, expulsão de estrangeiros que tenham cometido crime de lesa-pátria ou jornalistas sensacionalistas que desonram presidentes. O governo do PT, que defendia a causa indígena, cede em favor do agribussiness e congela decisão sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Uma cidade do interior de São Paulo (Porto Ferreira) elegeu o prefeito na cadeia. Ele está preso por pedofilia. O apresentador de TV Gugu Liberato, que levou ao ar reportagem falsa onde jornalistas eram ameaçados de morte, continua na TV. No Rio de Janeiro, a esquerda votou em peso no PFL, para salvar o estado da teocracia pentecostal. Em São Paulo o PT vai unir-se a Paulo Maluf para derrotar o ex-presidente da UNE e ex-exilado da ditadura, José Serra, que é apoiado pelos mais ricos. Repórteres por um dia - não se trata de uma defesa corporativa, mas de uma observação óbvia - fazem o trabalho jornalístico, o direito à informação de qualidade, parecer brincadeira. A blogosfera, antes território das idéias, passou a abrigar a intolerância e a hipocrisia de deformadores de opinião com seus sítios patrocinados. A espiritualidade é confundida com religião, dogmas, intifada. O protestantismo, que surgiu em contraposição ao catolicismo poderoso, avança contra os cultos afro-brasileiros. O Islã, outrora poético, intelectual, caridoso e filosófico sucumbe ao radicalismo selvagem de jovens suicidas e degoladores no Iraque invadido. É a nova revolução cultural, desmontando inteligências e ideologias: miríades de consumidores indômitos em não-lugares enfrentam filas em busca de necessidades artificiais. Desejos e povos estão se misturando por baixo. Uma hibridação que, perdoe-me Canclini, não me trate como um velho e reacionário Aldous Huxley, cheira a degeneração.

sexta-feira, 1 de outubro de 2004

Vote nulo...

Divinópolis - ... se quiser. Ninguém é obrigado a votar em candidatos inúteis, corruptos ou fracos só porque estes se candidataram. O voto nulo protesta contra a falta de opção. Se o número de votos nulos for superior ao de votos válidos, podem ser convocadas novas eleições e candidatos novos podem surgir.

Políticos de baixa qualidade estão no poder, entre outras razões, pela (des)orientação comandada por imprensa e Judiciário, que só concebem o ato de votar em candidatos. Desconsideram o voto que não lhes favorece. O voto útil é disseminado, por ignorância ou por má-fé, como equivalente ao voto em branco. Votar em branco é apoiar o candidato com maior número de votos. É aceitar. É como deixar de votar.

Há 90 municípios no Brasil com candidato único a prefeito. Vi no Jornal Nacional que na última eleição um município votou assim: 45 por cento de votos para o candidato único, 53 por cento de votos em branco e 2 por cento de votos nulos. O TSE decidiu que o candidato único deveria ser eleito porque a maioria de votos em branco só podia significar uma coisa: que o povo queria o candidato único. Um absurdo, considerando que o desejo da população era outro.

Que as urnas eletrônicas sejam dotadas de tecla para anular o voto. Votar nulo é um recado: mostra que a sociedade está descontente com o quadro atual. Que quer novas opções. Vote para prefeito e vereador, se quiser. Mas se seus candidatos não servem, clique num número inexistente e anule seu voto. Votar nulo é um exercício de cidadania. Em branco, de obediência.

quinta-feira, 30 de setembro de 2004

Na Tela

Divinópólis - Bowling for Columbine ou o debate Kerry x Bush? Por um momento, a dúvida. Os dois programas trariam o belicismo à sala de TV. Escolho o debate: a transmissão em inglês é recebida mais rápido que e a traduzida para o espanhol e esta, por sua vez, chegava antes da versão traduzida da Bandnews. Sugestivo.

Kerry é um gentle giant, veterano do Vietnã que gosta de jactar-se quanto à capacidade guerreira e superioridade estratégica. Disse que existe uma maneira certa e uma maneira errada de defender Uncle Sam. Bush estaria insistindo na errada. No contra-ataque, Bush lançava olhares sibilinos e desqualificava o discurso do democrata. Em todas as suas falas (transmitidas para um palmtop no púlpito e um ponto eletrônico produzido com o melhor da nanotecnologia) insistiu que Kerry muda de idéia facilmente, assumindo a máxima de que só os idiotas não mudam de idéia. Como troco, Kerry ironizava a queda nos investimentos na segurança interna e os gastos montruosos nas guerras de expansão no Iraque e no Afeganistão.

Bush irritado, investia no medo, dizendo que o senador é muito indeciso para assumir o comando da nação num momento de crise como o atual. Kerry vingava-se afirmando que a primeira providência na invasão ao Iraque foi proteger os poços de petróleo. Bush retrucava dizendo que prevenir é melhor que remediar. Kerry ironizava dizendo que atacar o Iraque por causa do 11 de Setembro equivale a Roosevelt atacar o México por causa de Pearl Harbor. Bush vacilava entre o texto que aparecia no palm e o que chegava ao seu ouvido e ficou confuso, mas Kerry não percebeu. Kerry demonstrou maior inteligência, o que não é grande coisa diante do fundamentalista texano. O problema é que o povo norte-americano valoriza mais a astúcia que a inteligência. É provável que o selvagem vença o gentle giant. Seja qual for o resultado, o mundo não se tornará mais seguro.

terça-feira, 28 de setembro de 2004

A idade de Cristo

A idade de Cristo

Relato de uma internação


Ar. Só o valorizamos quando nos falta. Meu peito dói. A respiração é curta. Tenho febre. Náuseas. Encolhido numa cadeira de rodas, tento respirar. As costelas esmagadas por uma pressão abissal. Os pensamentos em espasmos. Tento me concentrar, saber como vim parar aqui. Olho em volta. Um corredor de hospital. Odeio hospitais. Frase feita, odiar hospitais. Ofende-se a quem trabalha neles. É como me dissessem odiar universidades. E há quem o diga.

Começo a lembrar. Árvores passavam pela janela. Andréa dirigia, um olho em mim outro no volante. Perguntava como eu me sentia. Tentava me manter acordado. Me deixou numa entrada de emergência e foi estacionar. Entrei cambaleando pela porta da frente. Disse à recepcionista que não conseguia respirar. Fui encaminhado para uma maca. Deitei. Esperei uma eternidade. Um médico veio e me fez perguntas. Respondi o que pude. Colocaram-me nesta cadeira de rodas. Tenho frio e dores por todo o corpo. Sensação de desmaio. Parece um ataque de pânico. Preciso sobreviver. Para contar.


Continua

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

Frases para se desconfiar

Divinópolis - Essas são (in)falíveis:

1 - Vamos deixar as coisas como estão.

2 - É bom, mas tem um problema.

3 - Entraremos em contato.

4 - É só uma pequena intervenção.

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

Do conservadorismo

Divinópolis -

A vida é constante movimento. As tentativas de interromper esse fluxo, por mais assimétrico, desconcertante e vertiginoso que seja, devem ser consideradas crime contra a humanidade. Mudar está previsto no código genético de todos os seres. A própria palavra ser indica inconstância. Em inglês, francês e italiano os verbos ser e estar têm o mesmo significado. Em português têm interpretações diferentes, mas isso, longe de ser ruim, só amplia o signifcado. Todo estar é momentâneo. Nós estamos mais do que somos.

Mudar a disposição dos móveis, mudar de lugar, de cabelo, de cidade, de leitura, mudar de canal, mudar de moda sem entrar na moda da mudança não é mero exercício de vaidade, mas uma proposta de retorno à natureza. Porque assim como a natureza, somos seres em permanente transformação.

Tudo se transforma, mas é da natureza do ser humano achar que pode viver de forma independente da... natureza. E julgar-se extra-natureza é como declarar-se extra-terrestre. A tentativa de se conservar explorando os recursos naturais (recursos em mutação) traz conseqüências já conhecidas. A natureza, como os homens-bomba, vinga-se indiscriminadamente.

Nossa necessidade de mudança não precisa ser necessariamente uma renúncia ao que gostamos. Ficam os bons livros, os bons discos, os bons amigos, as boas maneiras. Manter um estado de coisas somente "porque é mais fácil" atesta nossa falência enquanto seres. Todo conservadorismo é uma opção pela barbárie. Resistir às mudanças é barbárie. Religiões dão a medida da barbárie. Códigos penais reproduzem a barbárie. A política partidária é a barbárie.

Entendo a necessidade da quietude e da meditação, esse esporte para evitar o pensamento, quando a velocidade das mudanças parece ter perdido o controle. Mas essa postura não deve ser estendida a todos os momentos da vida. O conservadorismo é absurdo porque tenta dar ordem ao que foi feito para ser apenas caos. A vida é o Samba do Lavoisier doido: Na natureza (na natureza!) Nada se cria (nada se cria!) Nada se perde (nada se perde!) Tudo se transforma (transforma!! transforma!!).

A vida é um rio.

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

Totem

Totem

- Gosto de jaquinzinhos e de petinga, gosto de lombos de salmão, ou de bifes de atum ou de espadarte. Se ainda não perceberam, gosto de comer aquilo de que nada fica, pois nada me desgosta, e enoja mais, do que ver os restos daquilo que estou a comer. Sou daqueles, devo esclarecer, que come o jaquinzinho da cabeça ao rabo, sem deixar qualquer vestígio, e nada me desgosta mais do que ter que não só deixar, mas conviver, com os restos daquilo que acabei de comer.

Luís Ene dá início a psicoterapia de grupo sobre idiossincrasias à mesa. Os participantes aplaudem-no. O cheiro de comida vem dos fundos, misto de vinho, pães e azeitonas. Ele deixa o púlpito, para onde sobe um homem de aproximadamente, cerca de, por volta de mais ou menos 33 anos. Ele olha ao redor, aparentemente nervoso, e começa:

- Oi, meu nome é Avery.

- (Todos respondem) Olá, Avery .

- Também não gosto de ficar perto dos restos de comida (agarra a lateral do púlpito, os dedos da mão esquerda em Dó maior), prefiro que desapareçam. Também não gosto de usar as mãos para comer, prefiro talheres ou hachi. Pão, tudo bem. Justifica tocar no alimento. Então...

- Não se preocupe, eu sempre cortava o pão depois de lavá-lo, diz uma voz se antecipando.

- Obrigado. Você ajudou bastante. Quem é o próximo?

- Espere, conte mais, diz uma adolescente muito magra que olha para o adolescente com espinhas sentado ao fundo.

- Bom, é isso, não sei mais o que dizer. (seca as mãos com sopros discretos) Talvez só que me meti numa confusão. Não dá pra sustentar uma história assim por muito tempo, entende? A idéia era manter o poema em movimento, construí-lo aos poucos partindo de um fragmento qualquer do grande livro humano; costurá-la com cultura pop e eventos bizarros perenemente, até que um dia ela acabe por si mesma. Meio Charlie Kaufman, que é paradigmático como Dali, entende? Só que mais obra em construção que obra aberta, como um Mahabharatha por Dante. Como um Decamerão pelos irmãos Campos, entende?. E no fundo tudo é a mesma coisa: romances, jornadas, buscas, sonetos, tudo está escrito, mas gostaria mesmo era que a construção pudesse ser acompanhada. A construção diz, ao mesmo tempo em que se auto-censura por dar-se o cacoete entende?, quando na verdade não fala entende? ou coisa do gênero. Mas não se faz entender.

- Pois bem, pois bem, então eu falo, diz o homem de nariz grande percebendo a indecisão do depoente. Façamos como nos velhos tempos, em que as turmas de colégio se encontram 20 anos depois e todos contam como foi sua vida nesse período, e aparecem aqueles que ganharam dinheiro com produtos de uso doméstico, o ídolo dos esportes, a perua incorrigível e os intelectuais beberrões. A câmera vai deslizando pelo salão e mostrando os rostos...

- Isso não fica muito Peggy Sue?, diz uma mulher de cabelo curto e óculos de aro negro, típica mulher de cabelo curto e óculos de aro negro e olhar penetrante. Não basta ficar aqui falando de nossas manias à mesa?, ainda temos que ouvir esses dircursos estilo obra aberta, em que um autorzinho egoísta conta como pode escrever sobre si mesmo planejando misturar sem coerência personagens e pessoas, ficção e realidade? E tem que ser como ELE imagina? Façam-me o favor, não me digam que somos obrigados a ficar ouvindo esses discursos estilo obra aberta...

- Ei, você já falou isso, interrompe a menina magra. Somos personagens nas mãos dele e isso quer dizer que ele tem poder sobre nossas vidas, sobre nossas falas aqui, sobre nossa existência, tá legal? É bom não irritá-lo!! E se ficou muito Peggy Sue, dane-se, tá?, começa a chorar.

- Calma, calma, diz Tigrão234, codinome usado na rede pelo empresário gordo obcecado por jovens muito magras que ouvia o atentamente o discurso de Luís Ene, mas perdeu o fio da meada na primeira menção aos jaquinzinhos, que lhe lembraram a infância marítima, a cozinha da casa sempre em uso, as brincadeiras com a vizinha anoréxica, o cheiro da comida da mãe, mas que só acordaria do transe para dizer calma, calma, não chore, menina magra, não vou te machucar, prometo que não vou mais te machucar. Aqui. Aqui está sua boneca, seu travesseiro, sua caixa de fósforos roídos, tome, não chore mais.

- Aí a câmera se aproxima e vai fechando com a imagem do grupo reunido, contrastando com uma velha foto preto e branco da época em que eles eram apenas um bando de jovens artistas engajados, que faziam teatro, que acreditavam no futuro, na solidariedade e no amor eterno, mas hoje convivem com a Aids e o terrorismo. Eles ficam em posição para que a câmera deslize em...

O homem não tem tempo de reiniciar suas idéias sobre a composição cinematográfica do reencontro de turma. Parece saudoso de épocas sem retorno. Sua discretamente na testa, porque pensa, porque pensa. Planeja falar sobre um novo plano-seqüência, mas não não consegue porque ouve que

- Isso não é muito Peter's Friends?, diz Tigrão234, surpreendendo pela cultura cinematográfica.

- É aquele filme com a Emma Thompson e o Kenneth Branagh?, pergunta a menina muito magra.

- O Kenneth Branagh dirigiu, corrige a mulher de cabelo curto e óculos de aro negro.

- E atuou também, ele é o marido da atriz americana que faz um sitcom horrível, explica Tigrão234, que havia lido sobre Peter's friends na véspera, no catálogo da locadora.

- É uma sitcom, corrige a mulher de cabelo curto, que está sem óculos.

- E tem o Stephen Fry, aquele que sumiu, diz Avery, querendo acalmar os ânimos dos personagens (as personagens?, pensa em gêneros e não consegue decidir se a palavra é um galicismo e caso o seja, se se deve aceitá-lo em nome do colonialismo lingüístico, se é que isso existe em english times) e procurando algum lugar para lavar as mãos, acreditando que alguém lembrará da música sobre o Stephen Fry. Ninguém lembra a não ser o adolescente de espinhas, que não fala nada.

- E tem o Hughie Laurie, parceirão do Stephen Fry naquele Fry and Laurie, diz o homem de nariz grande.

- ... e foi escrito pela Rita Rudner e pelo Martin Bergman, completa a mulher de cabelo curto e óculos de aro negro.

Luís Ene dá de ombros e abre o notebook para escrever qualquer coisa, enquanto o homem de nariz grande concorda com a mulher de cabelos curtos e óculos de aro negro e Avery finge que desconhece outros Bergmans que não Ingrid e Ingmar, mas confessa ter visto A bit of Fry & Laurie, The Awfull Truth e Curb your enthusiasm mais do que gostaria, e embora não corra o risco de ser interpretado como feliniano, mas malkovichiano em típica avaliação torta de quem percebe o roteiro mais que o roteirista, desiste.

O público cala. A mulher de cabelo curto e óculos de aro negro fala por último. Diz que prefere não jantar.

quarta-feira, 8 de setembro de 2004

Candidatos a vereador

Léia do Pão
Zé da Vó
Maria Alice do Foto Ásia
Arapinha
Dé Pasteleiro
Vicente Formigão
Divino da Babilônia
Dário Camelô
Antero Padeiro
Peroba
Moisés Trocador
Gilberto Examinador
Francisco da Telemensagem
Pateta
Careca da Água Mineral
Padre Pintor
Tião Pega Lobo
Paçoca
Geralda Mãe dos Trigêmeos

domingo, 5 de setembro de 2004

Redução de danos

São Paulo -

A Revista MTV de agosto traz uma matéria polêmica e necessária sobre um tema presente no cotidiano, nas escolas, nas ruas, nas boates: o uso de drogas atinge muitas famílias, mas é obscurecido por razões legais, religiosas, políticas. No centro da questão, a proposta da redução de danos, que provocou queda substancial nas infecções por HIV por usuários de drogas injetáveis mesmo sendo tratado como estímulo à estupefaciência pelo nem sempre lúcido Ministério Público.

A conclusão, quase nunca compartilhada pela sociedade, é de que dependentes de drogas não são criminosos, mas podem ser vítimas. E que precisam ter os riscos à saúde minimizados sem necessidade de intervenção policial.

Para pais, filhos, educadores e consumidores é material valioso, principalmente as dicas sobre redução de danos para usuários de drogas leves, injetáveis e sintéticas. Alguns trechos:

"Não há como consumir drogas sem correr riscos. Simplesmente pelo fato de que não existe droga inofensiva à saúde física e mental." Fernanda Mena, jornalista, autora da matéria.

"As propostas de erradicação das drogas parecem vindas de alguém que tomou um ácido. Não é possível que, em sã consciência, alguém acredite que isso vá acontecer." Fábio Mesquita, coordenador de DST e Aids da Cidade de São Paulo.

"Quem usa drogas pode até se matar. E pode ter problemas com a justiça, com o traficante, com a saúde, com a polícia, com a família, com a conta bancária e com o trabalho." Paulo Giacomini, coordenador de redução de danos do Centro de Convivência É de Lei.

"O que causa maior dano é a criminalização da droga". Maria Lúcia Karam, juíza aposentada

"A legislação brasileira parece ainda pouco adaptada a esta realidade. Mais do que isso, ela dá sinais de esquizofrenia: delibera que usar droga não é crime, mas que portá-la é um passaporte para a prisão com anos de validade". Fernanda Mena.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

Na tela

Na tela


Divinópolis - Cazuza é um bom filme, mas não atinge a excelência cinematográfica de um Oliver Stone em The Doors. A espera por uma superprodução tupininquim continua a frustrar os cinéfilos mais exigentes e lembra a cobrança ostensiva por um desempenho impecável dos atletas brasileiros em Olimpíada ou Copa do Mundo, como se a perfeição pudesse ser alcançada todos os dias. Não é.

A participação da TV Globo gerou os padrões de qualidade esperados, mas esmaeceu a direção de fotografia e criou clima folhetinesco. O figurino poderia ser melhor, assim como a direção de arte. Nada disso entretanto, comprometeu o trabalho de adaptação do livro as mães são felizes, de Regina Echeverría. O filme, pode-se dizer, é o livro em formato audiovisual.

O melhor de Cazuza é a interpretação do ator Daniel Oliveira, que incorporou os gestos, o riso debochado e a empáfia do jovem poeta morto pela Aids aos 32 anos, no auge da carreira. Cazuza cantou um país desconjuntado, com o egoísmo dos filhos únicos, o hedonismo dos poetas e a paixão da juventude. Suas letras foram interpretadas pelos maiores nomes da música brasileira. Sua mensagem, misto de crítica cruel e prazer sem culpa, soa eterna.

PS: Gean Queiroz (Joca), parceiro em várias canções do Carolina Cascão, faz uma ponta.

sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Salve o Ministério Público

São Paulo - Entre as mais recentes contribuições do Judiciário para o crime em banda larga está a tentativa de reduzir os poderes de investigação do Ministério Público. Dois membros do Supremo Tribunal Federal já concordaram em limitar o trabalho de investigação do MP contra fraudes no Sistema Único de Saúde no Estado do Maranhão.

Um Ministério Público independente é fundamental para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais. A Justiça brasileira já contribuiu o suficiente com o crime organizado nos últimos anos, fornecendo pessoal especializado como os juízes Nicolau dos Santos Neto e João Carlos da Rocha Mattos. O primeiro comandou um esquema de superfaturamento nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo , deixando o prédio uns 50 milhões de Euros mais caro. Cumpre prisão domiciliar. Rocha Mattos negociava sentenças e livrava grandes criminosos da cadeia por quantias generosas e alguns eletroeletrônicos. Está preso e promete entregar mais bandidos de toga e distintivo.

A Transparência Brasil está coletando assinaturas contra a nefasta atitude do STF de limitar os poderes de investigação do Ministério Público. Leia o Manifesto e assine.

terça-feira, 17 de agosto de 2004

On the road

Nova Serrana - A capital do calçado em Minas Gerais agora sedia feiras de equipamentos de fabricação de sapatos. Outrora combinação eficiente de cidade pequena e fabril, começa a ingressar no circuito comercial pesado, com feiras de negócios e projetos de exportação. Como em Franca (São Paulo), aqui respira-se couro, lona e solas de borracha. A comida é barata e as igrejas têm bela arquitetura de ares contemporâneos. Apesar do perfil industrial, a vida é low-profile, como requerem as montanhas de Minas.

On the road

Oliveira - Tomo café com leite e bolo numa padaria em Oliveira. A conta dá 1 Real, ou cerca de 0,27 Euros. Faz frio e acabo de fazer uma palestra sobre Jornalismo para estudantes do ensino médio. Falar de vocação profissional e mercado de trabalho a adolescentes é estimulante, embora essa estranha combinação de infância prolongada com traços precoces da vida adulta nos surpreenda com singelos estados d'alma.

Esta cidade faz parte da História da Ciência graças a Carlos Chagas, que nasceu aqui em 1879 e tornou-se o único cientista do mundo a identificar uma doença (Mal de Chagas), descobrir-lhe o inseto hospedeiro (Barbeiro), o agente causador da enfermidade (Tripanosoma Cruzi) e o tratamento. Chagas trabalhou com outro grande pesquisador, Oswaldo Cruz, cujo sobrenome serviu para batizar o protozoário, numa homenagem do amigo oliveirense.

segunda-feira, 9 de agosto de 2004

Pobre Diabo

Divinópolis - Pablo Varela invade o blogverso com as insólitas aventuras do Diabo que fez pacto consigo mesmo.

Não pretendia nada que não fosse diabólico, afinal não abria mão de ser ele mesmo. Ao mesmo tempo deveria pegar leve pra não ser politicamente incorreto. Queria seu espaço, mostrar que era perfeitamente possível a convivência de beatas, putas, maconheiros, políticos, blasfemadores...

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Mudança 3

Divinópolis - Agora é definitivo. Este blog passa a ser atualizado de Divinópolis, cidade de 190 mil habitantes no Centro-Oeste de Minas Gerais, ao sul de Belo Horizonte e pouco mais de 500 quilômetros ao norte de São Paulo.

A economia local é baseada na indústria de vestuário e siderurgia. Depois da capital e de Juiz de Fora, Divinópolis é a cidade com melhor desempenho na economia mineira. Os índices sócio-econômicos são muito bons. As ruas são arborizadas, o trânsito tranqüilo, a poluição controlada e as pessoas amáveis: Se estão indo, dizem "fica com Deus". Se ficam, dizem "vá com Deus". Se estão falando, não são interrompidas. Se estão ouvindo, não interrompem. Se oferecemos chocolate ao cavalo da charrete, o condutor aceita com um sorriso.

Divinópolis rulez.

Mudança 2

São Paulo - Mudar é sempre complicado. Dizem que cada três mudanças equivalem a um incêndio. Não conseguimos encontrar nada e sempre notamos algumas perdas. Por outro lado, podemos fazer uma limpeza inesperada do lixo cultural (no bom sentido) que entope gavetas e estantes. Falta feng-shui às bibliotecas.

Ao ver as caixas de livros pelo escritório lembro de um texto chamado Ex Libris, que escrevi há alguns anos numa outra mudança, em que lembrava Walter Benjamin e seu "Desempacotando minha biblioteca". Abrir caixas de livros, mesmo que sejam seus velhos livros, é sempre um parto. É como trazer novamente à vida velhos vampiros fossilizados da literatura e das ciências.

Mudança

São Paulo - Entre pilhas de caixas, pedaços de madeira, parafusos, agendas, telefones, livros, discos, fotos, CPUs, quadros, violões, papéis, papéis, papéis, chaves de fenda, TV, copos descartáves, sacolas plásticas, fogão, caixas, teclado, caixas, caixas, garrafas de água mineral pela metade, sacos de lixo, disquetes, CDs, grampeador, lâmpadas fluorescentes, brinquedos, controles remotos, cifras, DVDs, botões, fotos, panelas, VHSs, sabonetes, mala, cuia...

segunda-feira, 2 de agosto de 2004

Uma canção

Ai, se Sêsse
(Zé Da Luz/Cordel Do Fogo Encantado)
Se um dia nóis se gostasse
Se um dia nóis se queresse
Se nóis dois se empareasse
Se juntim nóis dois vivesse
Se juntim nóis dois morasse
Se juntim nóis dois drumisse
Se juntim nóis dois morresse
Se pro céu nóis lá subisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tolice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse
pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tavés que nóis dois ficasse
Tavés que nóis dois caísse
E o céu furado arriasse
e as virgi toda fugisse

quarta-feira, 28 de julho de 2004

terça-feira, 27 de julho de 2004

Pensamentos de rodoviária

São Paulo - Sete da manhã. O ônibus ainda não chegou na rodoviária. Melhor, que assim como alguma coisa antes da viagem. O bilhete que comprei me leva até o último povoado da rota. Será um longo caminho até deixar esta cidade...
São Paulo - Edgar Borges estréia na blogosfera.

quarta-feira, 21 de julho de 2004

Poster-busters: uma idéia a ser seguida

São Paulo - Lilian Alves, que integra a trupe dos Andarilhos das Letras, edita o Jornal da Praça Benedito Calixto e quando sobra tempo é estilista, participa de uma campanha que merece o apoio de toda a blogosfera. Trata-se da Ação cata-cartaz. A idéia é limpar a cidade de São Paulo dos cartazes e faixas de políticos colocados em locais proibidos pela Lei Eleitoral. Os grupos saem de madrugada munidos de objetos cortantes, alicates e escadas. O movimento tem conseguido novas adesões e vai ser mantido com regularidade e compromisso. 

"Somos apartidários e retiramos propaganda de qualquer candidato. Certamente passaremos a incomodar os caras e a a população vai perceber que é sacana esse gesto de sujar a cidade para tentar se eleger. Temos a Democracia a nosso favor. É maravilhoso olhar uma rua por onde passamos e limpamos. E também receber os elogios dos passantes, que dão uma buzinada ou ficam simplesmente admirando", diz a Lilian.

A ação já aconteceu na Zona Leste (av. Paes de Barros), Oeste (Pinheiros, rua Henrique Schaumann) e imediações do Hospital do Servidor Público (Zona Sul). Hoje de madrugada tem mais. Lilian, estivesse aí e certamente participaria da ACC. Coisas assim provocam a pouco crível saudade de Sampa.

PS: Colabore, cidadão. Crie seu próprio grupo de caça à sujeira da propaganda eleitoral.

segunda-feira, 19 de julho de 2004

Ame-o ou deixe-o

São Paulo - Uploads de fotografias ainda não estão disponíveis no Blogspot, mas quem achava que poderia viver sem a participação da gigante Google nas suas vidas, pode publicar seus textos e idéias mais facilmente no Grande Irmão do Século 21. O Blogger agora tem um editor de HTML semelhante ao da Netscape, que permite aos não-alfabetizados em Hypertext Markup Language sonhar com webdesigning.

terça-feira, 13 de julho de 2004

Dia do rock

São Paulo - Robert Johnson B.B. King Elvis Presley Chuck Berry Etta James Buddy Holly Beatles Beach Boys Rolling Stones Jefferson Airplane Lovin' Spoonful Mutantes Led Zeppelin Canned Heat Deep Purple Jimi Hendrix Black Sabbath Joelho de Porco Rush Uriah Heep Nazareth Ten Years After Moody Blues T. Rex Casa das Máquinas Free Sui Generis The Doors Thin Lizzy Iron Maiden O Terço Suzie Quatro Charly Garcia AC/DC Raul Seixas Celso Blues Boy Humble Pie Legião Urbana The Clash Patti Smith Soda Stereo Peter Frampton Joy Division Style Council The Police Paralamas The Smiths Plebe Rude The Cure Echo and the Bunnymen The Mission Prefab Sprout Cocteau Twins Talk Talk Nirvana Chico Science e Nação Zumbi Cafe Tacuba Pearl Jam Aterciopelados Smashing Pumpkins The Strokes Kings of Leon (... e continua)

sexta-feira, 9 de julho de 2004

Micronações

São Paulo - A rede assemelha-se cada vez mais ao mundo real, com o detalhe de que por aqui as semelhanças começam pelas esquisitices. Como as primeiras home-pages, repletas dos famigerados GIFs animados, que surgiram como praga no meio dos anos 90 e até hoje podem ser encontradas nos porões da web.

E os sites de maledicência contra tipos insuportáveis (Casas Bahia, Galvão Bueno)? Tem os que homenageiam RPG, O Senhor dos Anéis e Harry Potter, com vocabulários específicos e herméticos. Há os codificados com a escrita semiótica dos chats que lembram idiomas falados pelo C3PO. E há os blogs adolescentes, cheios de dolls e temas de importância universal, como a última ida ao cabeleireiro.

Mas nada se compara em matéria de estranheza ao fenômeno das micronações. Nesses ambientes virtuais, cidadãos criam personas, instituições públicas e governam seus reinos de pixel com dedicação de estadistas, ampliando o espaço nos discos rígidos que sustentam a ciberesfera e, claro, a lentidão da rede. Mas quem não contribui para o grande engarrafamento virtual que atire o primeiro mouse.

Nas micronações, os internautas podem atuar em profissões diferentes das que exercem na realidade. Participam da administração do país, caso dos funcionários públicos e candidatam-se a eleições, desde que tenham partido político. Os partidos, por sua vez, devem ter sítio próprio. Para fundar uma micronação, basta ter um computador, hospedagem gratuita e perfil de estadista.

Vejam um trecho da história da Monarquia Hereditária de Brunão, que subsiste em uploads feitos de Curitiba:

A História de Brunão remonta (sic) os tempos da Guerra do Golfo (1991), quando um menino com ainda 5 anos sonhava fundar seu próprio país. Mais adiante (10 de outubro de 1996) é criado um país com o nome de Monarquia Hereditária de Brunão que existe até hoje, tendo como rei Vossa Alteza Real Rei Bruno Quadros e Quadros. O brunaíno é um idioma artificial que está sendo desenvolvido pelo Rei e procura ter raízes portuguesas, inglesas, romenas, célticas, vikings e gaélicas.

A veterana Pasárgada tem versões em português, inglês e espanhol e possui estrutura administrativa impécavel, com cantões (Éfaté, Icária, Inverness e Sloborskaia) e constituição própria:

Verdadeiro ícone do sentimento democrático Pasárgado, a Constituição define Pasárgada como "um estado social e democrático de Direito, que tem como valores superiores de seu ordenamento jurídico a Liberdade, a Justiça, a Igualdade e o Pluralismo político", onde "a soberania nacional reside no Povo Pasárgado, do qual emanam todos os poderes do Estado".

Outras, como a Comunidade Cecília, cansada de nações virtuais autocráticas, tem propostas mais ousadas:

Diferente de algumas micronações, temos como objetivo fazer com que os cidadãos pensem sobre a própria sociedade do mundo real. Pensem e, se acharem algo de errado, que façam alguma coisa.

Alguns links:
Micro-Nations
Reino Unido de Portugal e Algarves
Reino Unido de Sayed
Reino da Normandia

terça-feira, 29 de junho de 2004

Leio A artista do corpo, de John Delillo

Um livro curto, um tempo longo. Pouco mais de 120 páginas de pequenos parágrafos em corpo 13. A artista do corpo envolve romances incompletos, sentimentos contraditórios, incomunicabilidade, body art e provação. Exige leitura lenta (exagerei nos quatro meses!), com suas frases inacabadas que nos levam a crer que essa história corre numa linha de tempo congelada, como a superfície de um lago, como os carros que deslizam na auto-estrada, como se.

segunda-feira, 28 de junho de 2004

America

São Paulo - Os norte-americanos acreditam que o mundo exterior se divide em duas categorias: países que são uma anarquia tal que nem vale a pena pensar neles, e aqueles cuja anarquia ameaça nossa segurança ou nossa sensibilidade moral. No último caso, devemos invadí-los, restabelecer a ordem, retornar imediatamente e não pensar mais neles.

Do livro Detonando a Notícia, do jornalista norte-americano James Fallows, p. 172

domingo, 27 de junho de 2004

Imagens

Divinópolis - Elas começaram a aparecer não se sabe de onde, circundando as árvores próximas de uma ponte sobre a linha férrea que liga o centro de Divinópólis ao bairro Esplanada. Fiz com uma Fuji S5000 o registro das belas e barulhentas garças do centro-oeste mineiro.

quinta-feira, 24 de junho de 2004

quarta-feira, 23 de junho de 2004

Textos sem autor

São Paulo - Pululam, na rede, textos apócrifos atribuídos a escritores de renome. Não sei qual a intenção dos autores de tais peças, ordinariamente escritas e com um toque pessoal aqui e ali, atestando-lhes a insipiênsia.

Seriam descendentes dos desafetos de James Joyce os autores das cartas escatológicas que tentam lhe copiar a fleuma? Seriam separatistas os responsáveis pelos textos falsos atribuídos a Luís Fernando Verissimo?

Teria sido Sérgio Brito (Titãs) o autor de versos moribundos atribuídos a Jorge Luís Borges? Que fundamentalistas escreveram as mensagens piedosamente cristãs atribuídas ao pouco religioso Gabriel García-Márquez?

segunda-feira, 21 de junho de 2004

São Paulo

São Paulo - Buzinas luzes carros trânsito luzes ruídos luzes ruas avenidas metrô vielas pessoas gente gente gente gente barulho vendedores pressa filas táxis vozes carros casas gritos luzes USP casa filho Liu mulher Andréa amor amor amor Pinheiros sábado Madalena sábado Dolores DJs Morrison bar rock n' roll Zeppelin Jack Daniels Aspicuelta Black Label Joplin Wisard tequila sal Blue Curaçao táxi domingo Play Center filas carros filas queda filas vôo filas roda gigante filas filas trenzinho filas elefantes filas filas pizza filas filas filas casa comida roupa mochila metrô terminal ônibus estrada estrada estrada

domingo, 20 de junho de 2004

O mundo é pequeno?


O mundo é pequeno
São Paulo - O mundo acadêmico é. Ontem encontrei no Terminal Tietê (eu chegando a São Paulo, ele saindo de) o pesquisador da Embrapa, especialista em orquídeas, Joaci Freitas. Joaci faz doutorado ardido em cidade de nome doce, Jaboticabal. Está pesquisando o DNA de uma espécie de pimenta nativa de Roraima, que os índios usam imemorialmente. Permanece, no entanto, fotografando e pesquisando Cattleyas violaceas e outras espécies de orquídea do Norte e do Sudeste. Nos velhos tempos de minha banda, Carolina Cascão, Joaci recebeu-nos em casa para uma turnê Brasil-Venezuela marcada por muita sede e rock n' roll.

quarta-feira, 16 de junho de 2004

Bloomscentury

São Paulo - Faz cem anos hoje que Stephen Dedalus flanou pelas ruas de Dublin, encontrou Leopold Bloom, que encontrou Gerty McDowell que não gosta de Blazes Boylan (quem gosta?), que pardelhas, pardelhas, é mesmo a bloody bastard.

Há cem anos ocorria o Bloomsday.

Para entender, leia o Ulisses de James Joyce. Mas depois... sua vida será outra, com você pensando de forma multifacetada, querendo escrever complicado só pra sentir o gostinho, com idéias revolucionárias sobre arte e estética. Depois ficará surpreso com a memória das coisas, a organização interna das gavetas, o orgulho nacional e achará que conhece a loquaz Molly Bloom. Depois descobrirá que a vida é menos complexa, que dá pra encarar um Fernando Sabino sem perder a calma, assistir a Jay e Silent Bob, Hermes e Renato...

100 a 87

São Paulo - Toda a glória aos pistões de Detroit.

Ben Wallace nas alturas.

O abalado Los Angeles Lakers estava irreconhecível em quadra. Tinha que perder mesmo.

Sofrimento dobrado para Karl Malone, que apostou errado trocando os US$ 18 milhões de renovação com o Utah Jazz por 1/10 desse valor para jogar no Lakers.

Duelo de técnicos é um termo apropriado para a final da NBA. Ao derrotar o laureado Phil Jackson, Larry Brown (laureado de outrora) prova que no basquete, diferente da política externa, toda supremacia tem limites.

terça-feira, 15 de junho de 2004

Igualzinho

São Paulo - Essa eu vi num post do Israel Barros no Cabuloso Destino: com o singelo subtítulo de Star Estimator, o Analogia localiza celebridades que se pareçam com você. Isso mesmo, você. Basta ter uma foto no micro. O resultado nem sempre é fiel a nosso fenótipo. Ou então pareço com Diego Armando Maradona e Timothy Dalton. Encontre seu sósia-celebridade aqui.

segunda-feira, 14 de junho de 2004

Do ofício

São Paulo - Custa-me a acreditar que sejamos quem fomos; somos quem somos a cada momento, mas a história de quem fomos tem muitas vezes de ser contada para que possamos verdadeiramente ser quem somos. As pequenas histórias que aqui podem ser lidas contam elas mesmas a história deste sítio, e fazem-no muito melhor do que eu alguma vez poderei, mas existem outras histórias por trás destas que eu mesmo quero contar.

Luís Ene, escritor português em visita ao Brasil, autor dos blogs 1000 e uma e Ene coisas, de quem tomo palavras escritas aqui.

sexta-feira, 11 de junho de 2004

Sobre blogs

São Paulo -
1 - Blogs são coleções de textos preparados por uma ou mais pessoas (podem ser pessoas preparando diferentes textos ou textos a quatro, seis mãos). Blogs são escritos.

2 - Bloggers escrevem blogs. Logo, bloggers são blogueiros e blogs são blogs. Blogs normalmente são diários, mas também podem ser semanários, bissextos, hebdomadários...

3 - Blog não é blig ou blogger. Chamar aos blogs dessa forma equivale a chamar lã aço de Bombril e lâmina de barbear de Gillette. Blogs são blogs. Ponto.

4 - Blogs podem ter ferramentas auxiliares, como os sistemas de comentários, o Blogchalking, o Blogtree e os contadores.

5 - Sistemas de comentários são formas instantâneas de comunicação entre bloggers (ou blogueiros) e seus leitores (que também podem ser blogfans ou blogfreaks). São ferramentas democráticas que os jornais, por exemplo, não têm coragem de instalar.

6 - Blogchalking é um sistema de classificação geográfica criado por um brasileiro, o Daniel Pádua. A idéia é identificar o blogger (blogger é o blogueiro, não o blog) por cidade e até por bairro. Assim pode-se descobrir quem bloga na sua vizinhança. Aquele bonequinho na coluna à esquerda indica que sou um indivíduo do sexo masculino com idade entre 31 e 35 anos (quando comecei estava noutra faixa etária), morador de São Paulo, bairro Butantã, que passa cerca de 40 por cento do seu dia conectado à rede (um exagero, mas os índices disponíveis são 20, 40, 60 e 80 por cento).

7 - Os contadores registram o números de visitas à sua página, mas também registram a origem dos acessos (o país e em alguns casos a cidade), o sistema operacional dos computadores que abrem seu blog mundo afora (já fui lido em 76 países!) e o endereço IP, caso destas e-pístolas.

8 - Blogtree é um serviço criado no MIT (Massachussets Institute of Technology) que estabelece uma espécie de genealogia blogger. Funciona assim: você cria uma conta gratuita, inscreve-se e identifica que blogs influenciaram na criação do seu. Este aqui, por exemplo, foi inspirado no Internetc, no Taperouge e no Metafilter. Da mesma forma, influenciou no surgimento do Canaimé, que por sua vez inspirou o Laranja Podre. Assim, o e-pístolas é tão filho do Metafilter quanto este é bisavô do Laranja Podre.

9 - Ninguém é obrigado a adotar tais ferramentas, mas sabe-se que um blog é mais blog se não está isolado. Um blog só é blog se está numa rede, como seus correspondentes humanos em sociedade.

10 - Blogs podem ser meros depositários de devaneios pessoais sem nenhuma importância para o coletivo humano ou podem contribuir para a discussão de temas socialmente relevantes, como a guerra, a arte ou a arte da guerra.

11 - Nao convém publicar a própria foto num blog. Elas podem ser usadas em montagens obcenas ou ilustrar os posts dos seus inimigos.

12 - Blogs têm um tempo de vida útil. Um dia este blog irá morrer.

quarta-feira, 2 de junho de 2004

Na vitrola
Beto Guedes - Sol de primavera
Flávio Venturini - O andarilho
Lô Borges e Milton Nascimento - Clube da esquina 2

quinta-feira, 27 de maio de 2004

Reflexões numa manhã de quinta-feira
Toda cidade tem uma padaria com o nome da cidade
Toda cidade tem um Hotel Plaza
Toda cidade tem uma Relojoaria Pontual
Toda cidade tem uma Drogaria Avenida
Toda cidade tem um Salão Status
Toda cidade tem uma rua com o nome de outra cidade
Toda cidade tem suscetibilidades

quinta-feira, 20 de maio de 2004

Divinópolis
Pássaros pela manhã. Uma carroça conduzida com tranqüilidade. Sol. Luz de outono. Árvores. Flores amarelas. Uma ponte. Um rio. Montanhas. Um trampo. Um i-Mac. Um bom e velho PC. Um post slow-motion. Uma réstia de sol pela janela. Life is easy.

domingo, 16 de maio de 2004

Na tela
Diários de Motocicleta não apela para "um certo sentimentalismo de esquerda" ao contar a história da viagem de descoberta da América Latina pelo jovem Ernesto Guevara e seu companheiro Alberto Granado. O que este road-movie (ou river-movie) propõe não é panfletário - nem poderia, dada à origem burguesa do diretor Walter Salles -, por isso não deve aumentar significativamente a venda de camisetas com a efígie do revolucionário argentino. Diários de Motocicleta é o resgate do "caminho", que muitos acreditam estar entre a França e a Espanha, ou na trilha inca que conduz a Macchu Picchu. Como diria Carlos Castaneda (ou Belchior) o seu caminho (ou seu lugar) é aquele em que você está. Lembra-nos, entretanto, que a riqueza deste continente está mais nas pessoas que nas incríveis paisagens. A bela fotografia granulada acentua o período histórico e embeleza a tela.

quinta-feira, 6 de maio de 2004

Li Tempos Interessantes, de Eric Hobsbawm
Aqui a leitura do Século 20 por seu maior especialista ocorre de dentro para fora, como se os historiadores,

A história exige mobilidade e capacidade de
avaliar e explorar um vasto território, isto é,
a capacidade de ir além das próprias raízes.
Por isso é que não podemos ser plantas, incapazes
de deixar seu solo e habitat nativo, porque
nosso tema não pode esgotar-se em um único
habitat ou nicho ambiental (p. 451)


esses maravilhosos e poeirentos examinadores tardios das idiossincrasias humanas tivessem o direito de examinar a história por meio de suas experiências pessoais. Bom, Hobsbawm tem.

Os que têm a minha idade em alguns países
do hemisfério norte são a primeira geração de
seres humanos que efetivamente viveram como adultos
antes desse extraordinário lançamento da nave
espacial coletiva da humanidade em órbitas de
inaudita revolução social. (p. 434)


A formação multicultural (nascido em Alexandria, criado em Viena, jovem comunista em Berlim, fugiu para a Inglaterra, acompanhou a guerra fria, pôs o pé na estrada nos anos 60, assistiu à consolidação do imperialismo

O poder não corrompe necessariamente
as pessoas como indivíduos, embora não seja
fácil resistir a sua corrupção. O que o poder faz,
especialmente em tempos de crise e de guerra,
é tornar-nos capazes de realizar e justificar
coisas inaceitáveis se fossem feitas
por indivíduos privados. (p. 150)


e o surgimento da internet...) dá a Eric Hobsbawm essa característica única dos que conviveram (e aprenderam) com diferentes povos e línguas: reconhecer-se mais membro da espécie humana que tão-somente alemão, inglês, judeu etc. Fora o fato de ter acompanhado a época de maiores transformações na história, o sinistro século passado.

Em Tempos interessantes EH trabalha com uma infinidades de autores, escolas e movimentos que exigem dezenas de leituras complementares. Assim, vamos descobrindo um E. P. Thompson aqui,

... que seria registrado pelo Índice de
Citações de Artes e Humanidades (1976-1983)

como um dos cem autores do século 20 mais citados
em quaisquer dos campos cobertos pelo Índice. (p. 240)

um Ephraim Feuerlicht acolá,

Regressou à Áustria como membro
do bureau político do PC austríaco, escreveu
um livro curto e revelador sobre a França
e editou o jornal teórico do partido. (p. 164)

mas com o tempo, a bibliografia torna-se tão numerosa que chega a comprometer a própria conclusão do livro. Sorte têm os que chegam vivos às páginas finais que retratam um período da história mais conhecido, porquanto mais recente.

Para fãs do Século 20.

sexta-feira, 30 de abril de 2004

Na tela (As invasões bárbaras)
A vantagem de assistir a um filme meses depois do seu lançamento é não carregar os críticos para a sala de cinema. Dessa forma, podemos ver esta película sobre a brevidade da vida com o espírito livre dos cadernos de cultura. Assim o merece o bom e velho cinema de autor.

As invasões bárbaras dá seqüência a O declínio do império americano, filme de 1986 cujo título dispensaria comentários se fosse óbvio. Mas não é. E as razões pelas quais não é também não serão ditas. Diga-se apenas que os dois filmes, escritos e dirigidos pelo franco-canadense Dennys Arcand são a (auto)crítica de uma certa, como diria Carlos Saraiva, vã guarda.

Excepcionalmente bem-escritos, os diálogos são a marca das duas obras, que devem ser assistidas preferencialmente em seqüência. A segunda parte apresenta o mesmo grupo de amigos reunidos à margem do lago, desta vez para encarar a doença e morte iminente de um deles.

Discussões de pais e filhos distantes uma geração, distantes alguns livros, distantes uma carteira de capitais, distantes afetivamente em intervalos de sono na narcose dos hospitais, o 11 de setembro na TV e as considerações políticas do ácido grupo de fãs de trufas e vinho - há um trecho formidável, em que Rémy e o filho atravessam a fronteira e são saudados por uma sorridente moça loura, que lhes diz "Welcome to America" e ganha em resposta: "Aleluia", "Amém".

Para professores universitários, famílias em crise e todos aqueles que amam a vita brevis.

sábado, 24 de abril de 2004

Na tela (Kill Bill – Vol. 1)
Para quem conhece Anime, Electra, Mangá, Mortal Kombat, O Tigre e o Dragão, e Western Spaghetti, assistir a Kill Bill (Vol. 1) pode ser uma agradável experiência de transcendência pop. Ou um certificado de vítima da indústria cultural, dependendo do ponto-de-vista. Trata-se um filme conservador no sentido tarantinesco do termo: confirma-o a não-linearidade do roteiro, personagens doentes e a violência explícita.

Mas nada é real em Kill Bill - filme que sabe que é filme -, exceto o sentimento de vingança tão típico do ser humano. E nesse cinema pelo cinema, a ultra-violência comparece como caricatura, afastando-se da proposta de Cães de Aluguel (Michael Madsen tortura um policial) para trilhar caminhos de humor sibilino.

Quentin Tarantino - funcionário de videolocadora e freqüentador de cinemas de segunda categoria que virou cineasta - irrita quem não lhe alcança a fina ironia, mas é muito considerado no grupo dos que assistem 500 filmes por ano, lêem quadrinhos, gostam de filosofia oriental e artes marciais.

O quarto filme de QT traz movimentos de câmera abusados, referências a dezenas de filmes e HQs e uma trilha sonora tão esdrúxula quanto apropriada. E apesar da crítica média, aquela que conta todo o filme, seja por soberba ou limitações técnicas, trata-se de peça cinematográfica de indiscutível qualidade.

PS: Se você não leu Electra por Frank Miller, desconhece Mangá, nunca assistiu Akira, não jogou Mortal Kombat, não viu O tigre e o dragão nem sabe o que é western spaghetti, não se preocupe: Kill Bill tem muita ação.

quarta-feira, 21 de abril de 2004

Sem título
Era uma vez um partido tão democrático que cada membro tinha opinião própria. Jamais chegaram a um acordo.

quinta-feira, 15 de abril de 2004

Sem título
Ele queria escrever. E escreveu. Mas escreveu sobre não ter o que escrever,
como sempre fazem os que escrevem.

quinta-feira, 8 de abril de 2004


Smells like teen spirit
Há 10 anos Kurt Cobain se matava em Seattle, encerrando mais cedo os anos 90. O que viria depois no rock, de Radiohead a Smashing Pumpkins, de Beck Hansen a Belle and Sebastian, de Pizzicato Five a Coldplay, já encerrava um pouco do que ouvimos agora, nos 2000. Estou no time dos que acham que o Nirvana foi a salvação do rock nos anos 90, mas não culpo a geração anterior (Smiths, The Cure, Jesus and Mary Chain, Echo and the Bunnymen, The Cult, U2...) ou a atual (The Hives, The Vines, The Strokes, White Stripes, Kings of Leon) pela ausência de ícones. Talvez Cobain, imolado pelo maisntrean, fãs obtusos, depressão e drogas represente exatamente isso: o fim dos heróicos anti-heróis do rock n' roll.

terça-feira, 6 de abril de 2004

Réquiem
Ao professor Octavio Ianni, que morreu no domingo e reunia agudeza intelectual com afetividade, ativismo com temperança e muito colaborou na conclusão da minha pós-graduação. Suas sugestões ajudaram meu Índio na Rede a encontrar equilíbrio entre a sociedade da informação e o pensamento selvagem.

segunda-feira, 5 de abril de 2004

Cidadania
Para doações em dinheiro às vítimas do Catarina: Banco do Brasil (agência 3226-13 ­ conta-corrente 7.285­0) e BESC-Banco do Estado de Santa Catarina (agência 0680, conta-corrente 802.500-5).

terça-feira, 30 de março de 2004

Pelo telefone
Os grupos Telefônica, Telemar e Brasil Telecom uniram-se no Consórcio Calais para comprar a Embratel da falida MCI. Cobriram a oferta da Telmex argumentando que o consórcio é nacional (tem nome de cidade portuária da França), que o negócio será o melhor para o Brasil etc. A intempestiva reunião das gigantes da telefonia guarda o vírus do oligopólio, já visível na reduzida diferença entre preços nos serviços e a falta de transparência nas tarifas cobradas por cada empresa. A Telmex pode ser estrangeira, mas nenhuma das que já dividem os lucros da telefonia brasileira é genuinamente nacional. A entrada de novo grupo pode, eventualmente, evitar a disparada dos preços que essa estranha união de "concorrentes" pode provocar. A Anatel precisa exercer um papel pró-consumidor.
Sociedade alternativa
Isaías viu shows do cantor em São Paulo, Santos, Santo André, São Bernardo, por toda parte. Fotografava, colecionava reportagens, gravava entrevistas. Tinha discos que não acabava mais e fotos na sala, cozinha, banheiro, até em cima do tanque. "A casa dele parecia um museu", diz Valdenice. Depois que entrou para a Igreja Universal, Isaías encerrou esse capítulo. "Quebrei e botei fogo em tudo", conta. "A verdade é uma só: Jesus. Como eu não conhecia o superior a ele, para mim Raul era o máximo. Mas eu me libertei."

Isaías Sena Souza, marceneiro do Itaim Paulista (Zona Leste de São Paulo) que nos velhos tempos conseguiu batizar a própria rua com o nome de Raul Seixas, domingo, no Estadão.

sexta-feira, 26 de março de 2004

Na vitrola
Elza Soares - Do cóccix até o pescoço
George Harrisson - All things must pass
Laurie Anderson - Life on a string
Projeto Igor - Mande minhas lembranças ao Onze
Nico - Chelsea Girl

segunda-feira, 22 de março de 2004

Contos do extermínio
Ariel Sharon mandou matar o líder-fundador do grupo Hamas, o fanático Ahmed Yassin, que jaz em pequenos pedaços em algum lugar da Palestina. Simples como um ato de governo, o assassinato de um idoso tetrapélgico é visto como solução para o problema do terrorismo. Afinal, não será Sharon ou sua família que serão despedaçados pelos explosivos dos kamikazes palestinos na vingança já prometida. O corrupto Sharon evita a imprensa e a Justiça com a morte do líder do Hamas. No céu dos déspotas, faraós egípcios e velhos nazistas contentam-se em saber que seu trabalho prossegue pelas mãos de Ariel Sharon.

domingo, 21 de março de 2004

Farinha do mesmo saco
Charlie Brown Jr.
Skank
Matanza
KLB
Detonautas
Jota Quest
CPM22

continua...

sexta-feira, 19 de março de 2004

Os Ladrões
O ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Armando Melão, foi preso hoje pela Polícia Federal em flagrante de extorsão. Anda cobrando propina para proteger supostos envolvidos no escândalo do Banestado. Disse que era inocente. "Sou totalmente inocente. Eu estou assustado, não sei o que está acontecendo". O cheque nominal de R$ 531 mil, argumenta, é uma tentativa de incriminá-lo. Igual às contas milionárias que abriram, na Suiça, em nome de fiscais do Rio de Janeiro. Já Paulo Maluf nega todas as acusações.

segunda-feira, 15 de março de 2004

Notas internacionais
* O povo espanhol deu o troco a José María Aznar (eu azno, tu aznas...), que envolveu o país numa guerra inútil e provocou o atentado em Madri, na semana passada. José Luís Rodríguez Zapatero, o novo chefe de governo, já anunciou que vai desmobilizar as tropas espanholas no Iraque, a partir de abril. A melhor decisão política tomada pela Espanha nos últimos anos.

* A Polônia acredita que pode ser vítima de atentados porque apoiou a invasão do Iraque. Muito perspicaz, o presidente Aleksander Kwaśniewski.

* Vladimir Putin, o czar da Rússia, reelegeu-se presidente, apesar das acusações de corrupção, autoritarismo, cerceamento da imprensa e (não é acusação, mas de realidade) carnificina na Tchetchênia. Ex-agente da KGB, Putin segue o estilo Bush e não se preocupa em eliminar inocentes para atingir seus objetivos. Foi assim quando autorizou a matança de centenas de inocentes com gás venenoso durante o seqüestro no teatro de Moscou por separatistas tchetchenos. Quando o submarino Kursk afundou, a mãe de um dos marinheiros exaltou-se numa coletiva de imprensa e foi imediatamente sedada por droga injetável, aplicada por uma funcionária do governo. É o Gulag revisitado.

quinta-feira, 11 de março de 2004

Europa
Previsível, o atentado terrorista que matou 200 e deixou 1,4 mil feridos em Madri, hoje pela manhã. A Espanha deu apoio à invasão do Iraque em momento infeliz da História, tornando-se porta de entrada do terrorismo internacional, que se enraiza na Europa.

Mesmo com o povo (oito em cada dez) contra, o país de Colombo, de Pizarro e de Franco foi à guerra. Da mesma forma que o ouro asteca, os petrodólares falaram mais alto ao conservador José María Aznar, assim como já haviam seduzido o trabalhista Tony Blair e o retrô Silvio Berlusconi.

Em nome da unificação européia, o trio culpa os separatistas bascos, que preferem executar políticos e juízes. Mas pelas características, os inocentes nos trens foram imolados por radicais islâmicos enlouquecidos armados até os dentes, desses que tratam civis como peões, sacrificados para favorecer um xeque.

De olho nas próximas eleições, Aznar dificilmente assumirá que levou a guerra para seu país, deliberadamente. Intriga da oposição, dirá nos programas eleitorais, diante da queda na receita do Turismo.

Os responsáveis pelas 13 bombas instaladas no sistema de trens da capital da Espanha deixaram uma mensagem indicando os próximos alvos: Itália, Inglaterra, Japão...

quarta-feira, 10 de março de 2004

Fina ironia
Três anos à procura da matéria perfeita.

Marcelo D2, sobre a revista MTV, na MTV.
Os ladrões
Em Alfenas, cidade do sul de Minas Gerais com expressiva população universitária, filmaram o prefeito José Manso entregando maços de dinheiro para seus vereadores. O pronome possessivo (seus vereadores) se justifica. Parlamentar, no Brasil, é como notícia: um produto à venda (Cremilda Medina). Endinheirado que se preza tem o seu deputado, seu advogado, seu jornalista...

domingo, 7 de março de 2004

Michael Schumacher vence o GP da Austrália. Barrichello em segundo
Impressão minha ou a Fórmula 1 ficou muito, muito monótona?

sábado, 6 de março de 2004

Na tela
O filme O Poder e a fé apresenta-nos um vendedor de Bíblias de estilo incomparável. A mistura de religião, violência e humor é pura crônica urbana. O roteiro é insano, mas denuncia desemprego, charlatanismo e a solidão da metrópole. Cordel do Século 21.

quinta-feira, 4 de março de 2004

Contos da Anta (3)
Companheiro Bush
Tom Zé

Se você já sabe
Quem vendeu
Aquela bomba pro Iraque,
Desembuche:
Eu desconfio que foi o Bush.


Foi o Bush,
Foi o Bush,
Foi o Bush.


Onde haverá um recurso
Para dar um bom repuxo
No companheiro Bush?
Quem arranja um alicate
Que acerte aquela fase
Ou corrija aquele fuso?


Talvez um parafuso
Que tá faltando nele
Melhore aquele abuso.
Um chip que desligue
Aquele terremoto,
Aquela coqueluche.

terça-feira, 2 de março de 2004

O Poder e a Fé
O curta-metragem O Poder e a Fé, escrito e interpretado por Felipe Saraiva, estréia quinta-feira no The Bar, na Vila Olímpia, São Paulo, Brasil.

O autor-ator é filho do poeta Carlos Saraiva e radicaliza na estética urbana.

A direção é de Beto Schultz e Thiago Luciano.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

Gasp
Entre todas as onomatopéias dos quadrinhos, minha preferida sempre foi gasp.

Também gosto de humpf e chuif.
Na vitrola
John Cale - Paris 1919
Mumiy Troll - Morskaya*

*Glam-rock russo irado. Ouça Utekay, Vdrug ushli poezda e Vladivostok 2000 e caia na festa.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

Crônica urbana (Epílogo)
Muito bem, o fascista vai caminhar por esta calçada. Preciso medir a quantidade exata de passos e o tempo que ele vai levar. É neste ponto que ele cruza com os mendigos, vê as pessoas na rua e... no final da quadra... entra no banco. Em certo andar deste banco, uma executiva passou a noite fazendo seu trabalho, que é retalhar empresas e vendê-las etc, etc. Ela vai observá-lo durante dois segundos, do alto da janela, no momento em que vive suas reminiscências hippies. O banco é importante porque é aqui que duas das personagens se cruzam, favorecendo a construção de um quarto episódio. Sim, a história pode ser ampliada, é claro, usando os personagens periféricos. O discurso do candidato a pastor acontece na mesma quadra por onde caminha o fascista. O treino acontece com voluntários da própria igreja, que respondem aos chamados do candidato a pastor na hora da cura de todos os males. O olhar do candidato a pastor pousa, por dois segundos, sobre o fascista que anda pela calçada. No exato momento em que ele fala que o Diabo está à espreita, etc. etc. O fascista passa com nojo pelos mendigos da calçada, olha o candidato a pastor e o odeia. Depois que entra no banco, o fascista e a executiva trocam olhares. Ele na fila, ela saindo com pastas e bolsas e um olhar cansado de triunfo, de vitória. Surpreendentemente ele não pensa em nada sobre a mulher que cruza o saguão do banco apressada. Ela, por sua vez, imagina como seria encerrar a vida de solteira ao lado de um rapaz forte, pobre, mas trabalhador. Pensa melhor e resolve que pagar por uma companhia masculina oferece a melhor relação custo-benefício . A tetralogia (tautologia?) pode encerrar com o pastor já em atividade pregando na Praça da República, enquanto observa mulher de fino trato parar o carro diante de jovem de cabelos muito curtos que ali está à procura de uns trocados. Podemos chamar esse fim de um novo começo, como se faz no cinema de autor. É isso aí. Maravilha.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

Contos da Anta (2)
Na última eleição presidencial norte-americana, que George W. Bush ganhou por impressionantes 537 votos, democratas culparam o Partido Verde de roubar votos (tiveram pouco mais de 2 por cento) e favorecer o Partido Republicano. O candidato dos verdes, Ralph Nader, tinha como cabo eleitoral nada menos que Michael Moore, que narra episódios interessantes dessa eleição no seu livro Stupid White Men. Bem, Nader está de volta, desta vez como candidato independente. Precisa conquistar eleitores em primárias por todo o país antes de arvorar-se candidato oficial. Mas se a apuração ficar travada na Flórida ou no Texas, Nader deve se preparar para ser enxovalhado pelos democratas outra vez. Se, por outro lado, os democratas vencerem, o homofóbico Bush deve declarar o ambientalista milionário culpado por associar-se aos comunistas, artistas de vanguarda, pacifistas, ativistas e alternativos de toda espécie contra a ordem natural do mundo.

Guerra fria